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Embarque de imigrantes
italianos para o Brasil, por volta de 1910. Nem
todos, porém, puderam
compartilhar da mesma
esperança, quase sempre
frustada, por uma vida
melhor.
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Candidatos a imigração
barrados na hora da partida
por não preeencher requisitos exigidos.
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Os fazendeiros tiveram sorte quanto à coincidência da
crise de mão-de-obra em São Paulo com um período crítico da economia
italiana. A competição desigual de cereais norte-americanos, mais
baratos nos mercados italianos, somada a contínuos apuros da
agricultura italiana, criou uma pronta oferta de imigrantes
desesperados. Durante os últimos anos da década de 1880, agentes do
Brasil pululavam em Veneza e outras partes do Vale do Pó, estimulando
“uma espécie de febre”, que levaria inúmeros trabalhadores agrícolas a
partirem para o Brasil, na “esperança de lá encontrarem a terra
prometida”, como escreveram os funcionários italianos de Treviso(1).
Alguns desses candidatos à emigração até viajaram a pé, cruzando a
maior parte do norte da Itália sob um rigoroso inverno, para tomar os
navios que em Gênova prometiam passagens grátis para Santos. Mas o
destino a que os imigrantes estavam fadados no Brasil era praticamente
tão sombrio quanto o que tinham deixado para trás. Eles eram trazidos
ao Brasil para um único propósito: fornecer mão-de-obra barata
para as fazendas de café. Como observou um deputado de São Paulo, logo
depois da abolição: “precisamos de braços (...) no intuito de aumentar
a concorrência de trabalhadores e mediante a lei da oferta e procura,
diminuir o salário”(2).
O Secretário da Agricultura não era menos franco ao descrever a
resolução do governo de importar trabalhadores em tais quantidades,
como afirmou: as fazendas se tornariam “bastante saturadas, a ponto de
estabelecer o equilíbrio entre a oferta e a procura de trabalhadores”.
E acrescentou, de maneira igualmente cândida, que este método era muito
mais prático do que a coerção que, “além de contrária à liberdade
individual (...) produzirá efeito diametralmente oposto, criando por
parte dos governos dos países emigrantistas, proibição à vinda de seus
nacionais”(3).
Manter baixos salários por este método exigiu um elaborado sistema que
fosse capaz de suprir um fluxo contínuo de mão-de-obra européia para os
cafezais, considerando o grande número de trabalhadores que deixavam as
fazendas e a expansão das áreas cultivadas.
Essa política era, entretanto, apenas parte do sistema
paulista. Apesar das afirmações oficiais, a coação por parte do Estado
e a violência eram partes integrantes da vida rural, às vezes para
manter colonos nas fazendas, porém mais comumente para abafar greves e
desordens intermitentes e lembrar à população trabalhadora quem
controlava os meios para exercer a violência.
Os imigrantes estavam à mercê dos proprietários das novas
fazendas do Oeste paulista – um grupo que combinava, de
maneira notável, alguns padrões de comportamento moderno e
capitalista, visando o máximo de lucro.
Estar completa e totalmente subordinado a tais homens não era o mais
feliz dos destinos, especialmente quando se considera que a estrutura
da vida rural em São Paulo pouco ou nada restringia o poder – às vezes
literalmente de vida ou morte – que o fazendeiro exercia sobre os seus
colonos. “Achar um patrão humano e razoável”, concluiu um funcionário
do governo italiano, Adolfo Rossi, em 1902, era “uma combinação muito
rara, algo como ganhar um prêmio na loteria”(4).
Na apropriação do excedente criado pelos imigrantes, os fazendeiros
eram limitados apenas por sua imaginação. Os relatórios da época estão
repletos, por exemplo, de inúmeros casos de multas arbitrárias lançadas
contra os colonos como método rápido para reduzir os seus salários.
“Vendas” da própria fazenda, confisco diretos, pesos e medidas ilegais
e o mero não-pagamento de salários eram mecanismos pelos fazendeiros
com considerável freqüência. Quase todas as fazendas tinham o seu
próprio bando de capangas, encarregados de executar as vontades do
fazendeiro e fiscalizar, entre outras coisas, a entrada e saída dos
colonos nas fazendas. A violência física era um componente fundamental
do sistema; os relatórios consulares e os jornais da colônia italiana
da época relatam centenas de casos. É desnecessário frisar que os
imigrantes não dispunham de recurso legal nesses casos. Por exemplo, um
funcionário italiano chegou ao extremo de declarar, em 1908, que não
acreditava “que os anais judiciários do Estado de São Paulo mencionem
um caso, um único que fosse, de fazendeiro que tendo espancado um
colono tenha sido punido legalmente”(5).
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Hospedaria dos Imigrantes.
Verdadeiro mercado de trabalho onde se firmava contratos entre
imigrantes e fazendeiros.
Arquivo Edgard Leuenroth (Unicamp)
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Hospedaria dos Imigrantes,
construída em 1886. Sobreviveria ao fim da Sociedade promotora de
Imigração em 1895.
Arquivo Edgard Leuenroth (Unicamp)
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Embora os imigrantes tivessem provavelmente
melhores condições de alimentação em São Paulo do que na Itália, suas
moradias eram tão precárias como as de lá e as condições sanitárias
quase com certeza piores. Isolados, desumanizados, sem escolas e sem as
compensações e o estímulo oferecidos pela vida comunitária na Itália,
não é de surpreender que os imigrantes tenham impressionado muitos
observadores pela regressão cultural que haviam sofrido. Outros ficavam
abismados com a grande incidência de doenças mentais e alcoolismo.
O sistema parece ter sido elaborado para manter os trabalhadores no
mero nível de subsistência e, apesar de alguns imigrantes chegarem a
acumular poupanças, isto só acontecia em circunstâncias bastante
especiais, tais como em locais favorecidos ou famílias com grande
número de trabalhadores capacitados. Certamente a obtenção da propriedade
da terra pelos imigrantes não era incentivada. Em 1896,
Campos Salles, então presidente (governador) de São Paulo, afirmou que
“fazer os estrangeiros proprietários do solo paulista não nos convém”(6).
De fato, poucos conseguiram ser proprietários. Em 1905, os italianos
representavam 9% dos proprietários de terras, mas suas propriedades
correspondiam a menos de 4% da terra – isto durante uma época em que
formavam um terço ou mais da população do Estado. Em outras palavras,
isso significava um pouco mais de 5.000 proprietários italianos em uma
população italiana de talvez 800.000.
Um dos indicadores mais significativos de quanto eram desfavoráveis as
condições para os imigrantes em São Paulo é o grande número dos que
deixaram o Estado, indo geralmente para a Argentina ou regressando a
Itália. As estatísticas oficiais mostram que as cifras de saída
chegavam quase à metade das de entrada(7),
não sendo isso, porém uma imigração sazonal como a da Argentina, já que
a cultura do café não se prestava a esses arranjos. Aqueles que
deixavam São Paulo partiam, como constata Rossi, “desesperados”.Durante
a época, os observadores europeus (oficiais ou não), em sua grande
maioria, concluíram que, embora fosse necessário e até desejável
emigrar da Itália, não o era fixar-se nas fazendas de São Paulo.
O governo italiano, finalmente, foi levado em 1902 a proibir a
emigração subsidiada para São Paulo. A proibição foi burlada de várias
maneiras, mas mesmo assim, reduziu substancialmente o número de
italianos importados para trabalharem nas fazendas. Por algum tempo, os
fazendeiros e seus aliados voltaram-se para fontes ibéricas (Portugal e
Espanha) de mão-de-obra barata. Em 1910, porém, o governo espanhol
seguiu o italiano, proibindo a emigração subsidiada de seus cidadãos.
São Paulo, então, se empenhou seriamente na importação de trabalhadores
japoneses, e, em anos posteriores, a migração interna serviu para
assegurar mão-de-obra barata para as fazendas.
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Cena de colheita de café
Arquivo Edgard Leuenroth
(Unicamp)
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"As roças de subsistência eram
(...) regularmente distribuídas,
em proporção ao número de
pés tratados pela família.
Por fim, alguns fazendeiros
começaram a introduzir
uma nova forma de remuneração,
um sistema misto de
remuneração por tarefa
e por medida colhida,
o colonato, fórmula que
prevaleceria nas fazendas
cafeeiras desde os anos
1880 até os anos 1960"
(Verena Stolke). |
Escola de um núcleo colonial de imigrantes
Arquivo Edgard Leuenroth (Unicamp)
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Os imigrantes responderam de diversas
maneiras a sua situação. Há, por exemplo, dezenas de casos em
que colonos, agindo individualmente ou em pequenos grupos, assassinaram
fazendeiros ou seus administradores. Um dos mais famosos incidentes
ocorreu em 1901 quando Francisco Augusto Almeida Prado, percorrendo
seus cafezais descuidadamente, sem a proteção de seus capangas, foi
assassinado por seus colonos que o esfaquearam e esquartejaram com
machadinhas e enxadas. Fato semelhante havia acontecido a Diogo Salles,
irmão do Presidente da República (Campos Salles), no ano anterior. De
modo geral, os motivos para tais incidentes eram individuais, como o
caso de Salles, que envolveu uma tentativa de estupro da irmã do
assassino. Contudo, o incidente é indicativo tanto das formas extremas
assumidas de exploração quanto das tensões subjacentes. Outros casos
surgiram de questões mais amplas. No assassinato de Prado, por exemplo,
a causa imediata teria sido a punição que ele havia imposto a seus
colonos por terem se recusado a apagar um incêndio na fazenda de um de
seus parentes.
Ultrapassar a resistência individual encontrava obstáculos imensos e os
fazendeiros faziam o que podiam para sufocar qualquer mobilização. Por
exemplo, todas as sociedades ou associações de trabalhadores eram
proibidas, e contatos com o mundo fora da fazenda, estritamente
vigiados. Apesar do controle severo, os trabalhadores não apenas se
mostravam constantemente inquietos e algumas vezes violentos, como
também realizavam greves com alguma freqüência.
As primeiras greves rurais ocorreram ainda no Império, tornando-se mais
freqüentes nos anos 1890 e chegando a atingir várias dezenas de
ocorrências até 1913.
Essas greves, em sua maioria não se alastravam para além dos limites de
cada fazenda, e tinham geralmente como motivo:
1) não pagamento dos salários,
2) tentativas de reduzir salários, ou
3) multas pesadas e arbitrárias.
Considerando-se a relação de forças no meio rural de São Paulo, nesse
período, está longe de ser surpreendente o fato de que a maioria das
greves dos colonos tenha fracassado – e isto para não falar da ajuda
generosa da força pública aos fazendeiros, quando necessário.
Houve, contudo, algumas greves de tamanho considerável. Em 1911, cerca
de 1.000 colonos de meia dúzia de fazendas, na região de Bragança,
ficaram paralisadas por vinte dias e conseguiram um pequeno aumento de
pagamento. No ano seguinte, trabalhadores de mais doze fazendas da
região de Ribeirão Preto entraram em greve e também conseguiram um
pequeno aumento salarial. A maior greve do período ocorreu na mesma
área em 1913. Ela mobilizou de 10.000 a 15.000 trabalhadores, mas,
perante a intransigência dos fazendeiros, resultou em derrota total.
Em alguns casos há indicações de greves cuidadosamente planejadas pelos
colonos. Em outros, a ação surgiu espontaneamente. Diante das
inevitáveis acusações, de fazendeiros e seus aliados, responsabilizando
os “agitadores de fora” pelas greves, a observação mais pertinente
talvez tenha sido a do jornal anarquista La Barricata (16/6/1913):
“Pelo grande número de greves que explodem em muitas fazendas, vê-se
que estão cheias de agitadores, que são os próprios colonos, os quais
estão agitadíssimos pelas revoltantes condições em que se encontram”.
Nem todos os trabalhadores que
fugiram das condições existentes nas fazendas deixavam o país.
Um número considerável foi para a cidade de São Paulo, onde eram pagos
geralmente em nível de subsistência, aglomerados em miseráveis
cortiços, destituídos de qualquer legislação social efetiva, e sujeitos
a crises periódicas de desemprego.
Essa primeira geração da classe operária paulistana era composta quase
totalmente de imigrantes europeus. No começo do estimava-se que 80% ou
mais dos operários em São Paulo eram italianos. Mesmo em 1920, alguns
anos após o declínio da imigração européia, os estrangeiros
permaneceram como maioria absoluta da população adulta da cidade.
A imagem bastante difundida de uma classe operária imigrante, que teria
chegado a São Paulo possuindo alta qualificação industrial,
sofisticação política e experiência militante, não corresponde muito
bem aos fatos. Apesar de alguns artesãos e outros trabalhadores urbanos
terem, sem dúvida, emigrados para São Paulo, e um punhado de militantes
terem tido alguma experiência política nos países de origem, a entrada
de tipos como esses não foi encorajada, e parece claro que a vasta
maioria era composta de homens e mulheres vindos de áreas rurais.
1.
Statistica della emigrazione avvenuta nell ano 1888,
pp. 159 e 197.
2. Anais da Câmara,
1888, V, p. 323.
3. Secretaria da Agricultura de
São Paulo, Relatório, 1896, p. 80.
4. “Condizioni dei coloni italiani
nello Stato di San Paolo” in Bollettino dell’emigrazione,
1907, n.o 7, p. 34.
5. S. Coletti: “Lo Stato di S.
Paolo e l’emigrazione italiana” in Bollettino dell’emigrazione,
1907, n.o 15, p. 8.
6. Fanfulla,
4, 5 e 11 de setembro de 1896.
7. Secretaria da Agricultura de
São Paulo, Relatório, 1906, quadro IX.
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