Um pouco da História:
Imigrantes alemães
|
|
Foto: Beck / Acervo do Museu Antropológico Diretor
Pestana, Ijuí/RS
|
“Vamos
partir agora”.
Para
o belo país América,
Cada
qual arrume sua trouxa,
As
dívidas deixamos aqui.
A América, irmãos,
É um belo país,
Deus deu-o de penhor
Ao Pai Abraão”.
Assim conclamava uma cantiga
folclórica encontrada em certas regiões da Alemanha. De certo modo, ela
expressava um padrão de comportamento que, ao longo do século XIX,
passou a ser comum e até estimulado nas camadas sociais mais pobres: a
emigração. Nessa época, em diversos países da Europa, ocorreram
desequilíbrios demográficos e econômicos, êxodo rural,
industrialização, urbanização e movimentos revolucionários, levando
massas populacionais a partir para a América do Norte e do Sul, a
Austrália e outros lugares em busca de trabalho e terra.
Na Alemanha, é no início do
século XIX que ocorreu a abolição da estrutura feudal, provocando uma
revolução agrícola à qual se somou uma revolução democrática. Nesse
processo, os pequenos camponeses acabaram perdendo suas terras ou as
condições de sobreviverem trabalhando nelas, sem contudo serem
absorvidos por indústrias ainda pouco desenvolvidas. E quando a
industrialização teve um grande impulso a partir de 1870, requisitando
mão-de-obra, foram desta vez os artesãos e trabalhadores da indústria
doméstica que se arruinaram, não resistindo à concorrência das grandes
empresas. Para muitos desses camponeses e artesãos, a única alternativa
à proletarização foi sair do país. Além disso, as lutas pela unificação
da Alemanha – efetivada em 1871 em torno da Prússia – também
contribuíram para a expulsão de muitas pessoas de regiões afetadas pelo
conflito.
|
No Brasil, antes mesmo da Independência (1822), alguns
imigrantes alemães já tinham se estabelecido na Bahia. Mas o marco
histórico da imigração alemã para o Brasil foi a fundação, em 1824, da
colônia São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. O Rio Grande do Sul recebeu
a maior parte desses imigrantes alemães, seguidos de Santa Catarina e o
Paraná. Se comparados à dos Estados Sulinos, a imigração nos Estados de
São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro foi
quantitativamente pequena.
Os primeiros imigrantes a chegar ao Brasil – depois
dos portugueses – foram os alemães. Seu fluxo migratório foi
estabelecido ainda no final do Primeiro Reinado, com o objetivo de
ocupar terras ameaçadas pelos vizinhos espanhóis e de equilibrar a
economia sulina, dominada pelos grandes latifúndios e pela pecuária
extensiva. A primeira colônia alemã foi São Leopoldo, no Rio Grande do
Sul, fundada em 1824 e logo seguida por São Pedro de Alcântara, em
Santa Catarina (1828) e Rio Negro, no Paraná, em 1829. Apesar da
omissão do Governo Imperial, que cumpriu poucas das promessas feitas
aos imigrantes, os alemães arrancaram seu sustento das terras
geralmente pouco férteis a eles destinadas, uniram-se em grupos
fechados para preservar a cultura e as tradições de seu país de origem,
e introduziram na região culturas agrícolas até então desconhecidas. As
vilas por eles fundadas transformaram-se em algumas das cidades mais
progressistas do Sul do Brasil.
|
|
|
Os
imigrantes alemães, durante
muito tempo, preservaram
em suas colônias a língua,
os costumes e a cultura de
origem, formando um mundo
quase à parte da sociedade
brasileira.
Na foto acima, de 1919,
alunos da Escola
Teuto-Brasileira de Santa
Clara, no Rio Grande do Sul.
Acervo do Museu
Antropológico
Diretor Pestana, Ijuí/RS
|
Além de se
dedicarem à agricultura, os
imigrantes alemães
mantinham oficinas
domésticas. Muitas delas se
desenvolveram, dando origem
às indústrias.
Na foto acima, aspecto da
indústria de couro de
Gustavo Klohn, em Ijuí, Rio
Grande do Sul.
Acervo do Museu
Antropológico
Diretor Pestana, Ijuí/RS
|
O Rio Grande do
Sul recebeu cerca de 75 mil imigrantes alemães entre 1824 (quando os
primeiros 39 colonos fundaram São Leopoldo) e 1939.
Durante este tempo, foram criadas 142 colônias, distribuídas
principalmente no Vale do Rio dos Sinos, próximo a Porto Alegre, no
Planalto Central e no Sul do Estado. Estes pioneiros enfrentaram
dificuldades enormes com o descaso das autoridades, a improdutividade
das terras a eles destinadas e a falta de equipamentos, mas conseguiram
prosperar apoiados na tenacidade típica da raça, na união e no
trabalho.
Cinco anos depois, quando 5.350 colonos já haviam desembarcado na
região, a situação estava sob controle. Os colonos haviam subjugado a
natureza inóspita, viviam bem com o que plantavam e habitavam casas
sólidas e confortáveis. São Leopoldo abrigava uma fábrica de azeite,
uma de sabão e sete pequenos curtumes, embriões da indústria calçadista
que é hoje a principal atividade da cidade.
As levas de
imigrantes que chegaram depois da Revolução Farroupilha, em 1846,
fundaram as colônias de Feliz, Mundo Novo, Bom Princípio e Santa Maria.
Outros se espalharam pelos vales dos rios Taquari, Pardo e Pardinho,
dando origem a cidades como Estrela, Lageado, Santa Cruz do Sul,
Venâncio Aires e Candelária. Os alemães ocuparam também as margens da
Lagoa dos Patos (fundando São Lourenço do Sul), antes de subir a serra
e invadir o interior no início do século XX, criando Ijuí, Santa Rosa,
Panambi e Cerro Largo, entre outras. Finalmente, os alemães de quarta e
quinta gerações atravessaram o Rio Uruguai e migraram para o oeste de
Santa Catarina e Paraná.
No Paraná, a imigração
germânica começou com a fundação da Colônia de Rio Negro, em 1829. Em
1878, alemães de origem russa vindos da região do Rio Volga,
estabeleceram-se nos Campos Gerais, perto das atuais cidades de Ponta
Grossa e Lapa. Neste século, colonos vindos de Santa Catarina fundaram
a Colônia de Witmarsum, no município de Palmeira, suábios da região do
Rio Danúbio criaram Entre Rios, em Guarapuava, e descendentes de
imigrantes ocuparam a região de Cambé e Rolândia, no Norte do estado. A
capital, Curitiba, também abriga numerosa comunidade originária dos
colonos alemães que atravessaram o Atlântico para participar com seu
trabalho da formação do povo singular que hoje habita a Região Sul do
Brasil.
|
|
|
|
|
No Parque da Oktoberfest, em Blumenau, as construções imitam o estilo
das aldeias alemãs do século passado e atraem milhares de visitantes. -
Foto: Catarina Rüdiger
|
Nova
Petrópolis abriga uma réplica da primeira igreja construída na serra
gaúcha segundo o estilo alemão
Foto: Iolita Cunha
|
Casa do
Imigrante - pomerode, SC.
Foto: Catarina Rüdiger
|
|
|
|
Joinville e
Blumenau, em Santa Catarina, fundadas respectivamente em 1850 e 1851,
passaram de pequenas colônias agrícolas a importantes pólos econômicos,
e ao preservar suas características germânicas – na arquitetura, na
culinária, na tradição festeira – viraram também requisitados destinos
turísticos. Com 500 mil habitantes, Joinville é hoje a maior cidade de
Santa Catarina e importante centro industrial, referencial de uma
região que engloba cidades como Jaraguá do Sul, Rio Negrinho, São Vento
do Sul, Corupá e Campo Alegre. Já Blumenau é a rainha do Vale do
Itajaí, sede da Oktoberfest – o principal evento popular do país depois
do carnaval – e grande exportador de têxteis. Maior centro financeiro
de Santa Catarina, é também o principal pólo turístico de uma região
conhecida como Vale Europeu, formada por cidades de forte influência
germânica, como Gaspar, Brusque e Pomerode.
Banda
Alemã em Blumenau, SC.
|
Em São Paulo, as
experiências iniciais de núcleos coloniais com imigrantes alemães,
realizadas na década de 1820 na capital e arredores (Itapecerica e
Santo Amaro), deram resultados insignificantes. Os que entraram a
seguir vieram para trabalhar na lavoura de café. Esse foi o caso dos
alemães e suíços (de fala alemã) que se estabeleceram, no final da
década de 40, na Fazenda Ibicaba (hoje Rio Claro), em regime de
parceria. Mas, em 1859, revoltas e denúncias de “escravidão” nessas
fazendas levaram o governo da Prússia a proibir a emigração para o
Brasil. Décadas depois, essa restrição foi revogada para o Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e o Paraná – o que reforçaria a corrente
imigratória alemã para o Sul do país. Ainda em São Paulo, grupos de
imigrantes suíços e alemães oriundos das fazendas de café
estabeleceram-se independentemente, fundando colônias como a Friedburg
(Friburgo), perto de Campinas, em 1875, ou tornando-se eles mesmos
fazendeiros de café, como os de Helvécia, em Indaiatuba, e de Valinhos.
Revoltas em fazendas de café também ocorreram no Rio de Janeiro. Na
cidade do Rio fundaram-se várias associações teuto-brasileiras, como a
Sociedade Germânica de Associação Beneficentes dos Alemães, que
socorriam os imigrantes em dificuldades. Petrópolis é um exemplo de
cidade fluminense povoada por alemães.
No Espírito Santo, muitos dos alemães ali estabelecidos como pequenos
produtores de café eram proletários rurais da Pomerânia (atualmente,
parte da Polônia).
Em Minas Gerais desenvolveu-se o núcleo alemão de Mucuri.
Em 1855,
trabalhavam 3.500 colonos na província de São Paulo, dos quais 290
(isto é, 8%) em sete fazendas em Campinas. Segundo o fazendeiro
Floriano Camargo Penteado, em seu ofício de 13/11/1857 ao presidente do
município, era impossível aos colonos realizarem um bom trabalho
naquelas condições de endividamento a que eles haviam chegado na
fazenda. Nesse caso, dizia o fazendeiro, não importavam as cláusulas do
contrato, pois a falta de motivação dos colonos gerava preguiça.
A saída dos colonos das fazendas da região de Campinas iniciou-se nos
anos 50 e estancaria apenas com a abolição. Segundo Handelmann, autor
de uma História do Brasil, 20 famílias de colonos alemães, originários
da Fazenda Ibicaba, migraram em 1851 para uma região próxima a
Campinas. Ali, compraram terras para plantar café, chamando a fazenda
assim formada de Nova Campinas.
Também na região de Campinas, surgiu, entre 1864 e 1877, uma pequena
colônia agrícola, denominada Friedburg (Friburgo), formada por várias
famílias de origem alemã. Seus primeiros moradores haviam vindo da
região do Reno em 1847 para a Fazenda Ibicaba. Logo em seguida,
chegaram duas famílias suíças de Berna e, entre 1870 e 1877, várias
famílias alemãs de Schleswig e Holstein, que já tinham estado na
Fazenda Sete Quedas. Em Friburgo produziram-se batatas, milho,
verduras, ovos e derivados de leite. Uma ou mais vezes por semana,
esses produtos eram levados em lombos de burro para a cidade, e
vendidos de casa em casa. Desse núcleo colonial também se originaram
“filiais”: Monte Mor, Elias Fausto, Cruz Alta e Bauru.
Na cidade de Campinas, segundo os dados de 1873, vivam 40 artesãos
autônomos de origem alemã. Havia também cerca de 30 estabelecimento
comerciais e pequenas indústrias mantidas por alemães. Na época,
Campinas contava com uma população de cerca de 10.000 habitantes, dos
quais 150 a 200 famílias (750 a 1.000 pessoas) descendiam de alemães,
cuja maioria haviam sido colonos.
No século XX, levas de
imigrantes continuaram a chegar ao Brasil, constituindo novos núcleos
coloniais, alguns dos quais no Paraná. Mas após a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), da qual a Alemanha saiu derrotada, os alemães que
para cá vieram não eram mais, em sua maioria, agricultores: entre eles
estavam burgueses arruinados, trabalhadores sem emprego e militantes
políticos, tanto de direita como comunistas, desgostosos com o governo
republicano que havia sido estabelecido em 1918, em meio a um clima de
convulsão social com muitas agitações operárias. Havia também oficiais
do exército do Império Alemão que antecedeu a República, funcionários
aposentados, artesãos e operários qualificados, médicos, engenheiros,
advogados, comerciantes, professores e elementos das antigas colônias
na África. Estes últimos dirigiram-se preferencialmente para os Estados
do Sul, onde se ressentiram da falta de mão-de-obra barata e abundante
com que estavam acostumados na África.
Na década de
20, o avanço do regime comunista motivou a vinda para o Brasil de
romenos, poloneses e russos de fala alemã. Muitos deles rumaram para o
Sul, depois de permanecerem por algum tempo nos cafezais paulistas. Na
década seguinte, diminuiu o movimento imigratório para o país, e entre
os que entraram a maioria era de refugiados do regime nazista
instaurado em 1933, na Alemanha. Por outro lado, o governo brasileiro,
de Getúlio Vargas, restringiu a entrada de estrangeiros, fixando
quotas: já havia contingentes populacionais suficientes para as
fazendas de café e para a colonização com pequenos proprietários.
Esta, por
sinal, foi a característica da imigração alemã, que, desse modo
contribuiu para a constituição de uma classe média urbana e rural no
país. Mas os alemães e seus descendentes também se tornaram industriais
ou então operários fabris. No campo, eles também estão entre aqueles
que empobreceram e se viram despojados de suas terras, enquanto outros
foram buscar terras nas fronteiras agrícolas em expansão.
|
|