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Grupos Indígenas Integrados
(Reportagem de 1996 de Ulisses Capazoli)
“Capitão luta contra a perda da memória”

Bisnetos
Bisnetos de indígenas tarianos no Alto Rio Negro só falam potuguês e...
Bisavó
...são incapazes de conversar com a bisavó, que só se expressa em tariano
No pátio da aldeia Camanaus, uma velha tariana, vestindo uma bonita saia vermelha, caminha com a leveza de quem se desprendeu da gravidade. A tariana é avó da mulher do capitão Hermelindo Brazão. Os filhos dele não falam o tariano, nem a bisavó se expressa em português. Eles se comunicam pobremente com a bisavó. É uma relação metafórica. A velha tariana e seuscontemporâneos estão indo embora no tempo, como se penetrassem uma fresta entre mundos.
A convicção dos que ficam é diferente. Os jovens têm outros valores, conforma-se sem muita convicção o capitão Hermelindo Brazão. Aos 46 anos, nem jovem nem velho, o capitão vive com insegurança uma nova fase de transição. Os valores do mundo exterior chegam no margem oposta, com as barcos que sobem o rio. O bar do porto não tem nenhum suco natural, típico da região, como o maracujá e o caju. Em compensação, uma coca-cola em lata e gelado custa R$ 0,90 (1996).
Brazão se queixa de que nunca recebeu qualquer ajuda do Foirn. Camanaus tem uma escola para suas crianças no interior de uma maloca bem arejada. Atrás do quadro-negro amontoam-se sacos de cimento, madeira serrada, barras de ferro e outros materiais para pequenas construções comunitárias. Ele pensa que a perda de memória em sua aldeia poderia ser amenizada com o ensino das línguas nativas. O presidente da Foirn rebate irritado as observações do capitão Camanaus. Justifica que a entidade que dirige “não é assistencialista” como se o pedido de Brazão fosse desse teor. O atrito à distância entre os dois homens, como tudo na região, tem raízes fincadas nos últimos 400 anos. A ocupação das terras, a exploração dos indígenas e a posse de suas mulheres só foi possível com manobras de divisão entre eles. De muitas maneiras, elas permanecem ainda hoje. Os comerciantes de São Gabriel, por exemplo, herdaram dos regatões o hábito de ludibriar os índios. Um hoteleiro local conta indignado que comprou pela metade do preço um estoque de café moído com prazo de vencimento quase no limite. O mesmo produto ele viu ser vendido aos índios acima do preço normal.
Também esses comerciantes continuam abastecendo os indígenas de álcool. Os capitães Fortunato Nascimento e Hermelindo Brazão gostariam de ver o vício longe de suas comunidades. Mas eles próprios bebem e, às vexes, passam um pouco do limite. Nascimento pondera que faz isso em datas específicas, 19 de março, dia de São José; 3 de julho, dia de São Tomé; e 7 de Setembro, Dia da Pátria. Quando “passa do limite”, Nascimento vai se deitar. O mesmo acontece com Brazão. Qualquer um que caminhe por São Gabriel, no entanto, vê indígenas caídos ou perambulando pelas ruas, sem rumo aparente. Se pudessem se deslocar no tempo, missionários do passado certamente teriam amenizado as restrições ao que consideravam atos selvagens de seus protegidos. A cerimônia do caxiri, por exemplo, acontecia no interior de um ritual que mantinha as raízes culturais e por isso mesmo fortalecia os laços de identidade. O alcoolismo de hoje, ao contrário, talvez seja só uma maneira de esquecer o esquecimento.

Fontes: Capitão luta contra a perda da memória / Ulisses Capazoli - Caderno Extra - O Estado de  S. Paulo - 8 de dezembro de 1996
Fotos de Foto de Itamar Miranda/AE



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