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Lendas Regiões
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O
velhinho lá se foi, cambaleando,
arrimado a um bordão, até a igreja de São Pedro Gonçalves,
onde bateu. O porteiro-sacristão atendeu. Novo pedido, com voz
expirante.
O porteiro, compadecido, fez o velho entrar, deu-lhe o que comer e com que se enxugar, e indicou um recanto na sacristia onde poderia agasalhar-se e dormir, em cima de um colchão. Pela madrugada, o sacristão foi acordar o velho, levando uma esmola de despedida. Não o encontrou. Enchia o colchão uma maravilhosa imagem do Senhor Bom Jesus dos Passos, vestida de seda lilás, com resplendor de prata, tão rica, imponente e poderosa de semelhança divina, que o sacristão dobrou os joelhos, contrito. Quando se espalhou o sucesso, verificado pelo povo que o velhinho fora o próprio Senhor do Corpo Santo, os frades do Carmo penitenciaram-se, sem culpa maior, pela falta de hospitalidade manifestada pelo irmão leigo da portaria. E como o Senhor do Corpo Santo procurara primeiramente o Convento do Carmo, alegaram que tinham direito à posse da imagem. Os padres da Igreja de São Pedro Gonçalves retrucaram, e o caso foi a juízo, com debatido, longo e verboso processo, tornados tão volumosos os tomos da demanda, que eram transportados num jumentinho. Mas a Igreja de São Pedro Gonçalves ganhou o pleito, cedendo apenas ao Convento do Carmo a honra de hospedar o Senhor do Corpo Santo por uma noite, a noite que fora recusada ao velhinho misterioso e de fala triste. A Igreja do Corpo Santo, outrora rutilante de luzes, desapareceu, arrasada pelos engenheiros que desejavam ampliar a cidade. A Igreja da Madre de Deus maternalmente acolheu o Senhor do Corpo Santo numa de suas salas. E lá continua, sem mais ter volvido a cumprir a tradicional visita ao Convento do Carmo. Se o olhar, sombrio na majestade do seu sofrimento e de sua solidão litúrgica, reze três “ave-marias”, uma delas por mim. Amém. |
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