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A decadência do SPI
A sobrevivência do SPI e o seu poder dependeram sempre do prestígio pessoal do marechal Rondon. Assim, em 1930, não tendo Rondon participado da revolução que convulsionou o país – movido pelas convicções positivistas que o impediam de deixar-se aliciar em intentonas -, o SPI caiu em desgraças e quase foi levado à extinção. Entretanto, naquele ano, havia alcançado o ponto mais alto de sua história. Havia pacificado dezenas de tribos, abrindo vastos sertões à ocupação pacífica; instalara e mantinha em funcionamento noventa e sete postos de amparo ao indígena, distribuídos por todo o país, e que eram, em regiões inteiras, os únicos núcleos de civilização onde qualquer sertanejo poderia encontrar amparo e ajuda.

Nos anos seguintes, as dotações caíram progressivamente até atingirem níveis tão baixos que nem permitiam manter a própria máquina administrativa, decaindo, finalmente, o SPI, de um serviço autônomo, atuante em bases nacionais, a mera seção subordinada a uma repartição burocrática do Ministério do Trabalho, que passou a designar os seus melhores servidores para outras tarefas, tidas como mais importantes.

O SPI jamais conseguiu recuperar-se completamente dessa crise. Só em 1934 voltou às boas graças governamentais porque, naquele ano, Rondon aceitara uma missão diplomática extremamente penosa, na Amazônia, como presidente da comissão mista criada pela Liga das Nações para encaminhar à o Peru e a Colômbia, que se encontravam em conflito pela região de Letícia. (Darcy Ribeiro, 1958: 44-46.)

Nos anos seguintes, retorna o SPI ao Ministério da Guerra e consegue o aumento de dotações orçamentárias. Assim, em seus primeiros trinta anos de atividade, o Serviço de Índios só dispôs de verbas suficientes para atuar durante dez anos; nos outros vinte, esteve sempre em déficit em relação ao indispensável para enfrentar os problemas indígenas que encontrou e os que ele próprio suscitara, atraindo dezenas de tribos e lhes infundindo expectativa de amparo.

As dificuldades com pessoal seguiram a mesma trilha. Já em 1911 os oficiais que serviam como inspetores foram chamados às fileiras do exército. O serviço viu-se, de um momento para outro, desprovido da maior parte dos inspetores experimentados com que contava. A substituição daqueles homens, em parte, foi possível porque eles próprios, no curto período de atividades exclusivamente indigenista, haviam formado novos quadros. Mas a queda das dotações impossibilitava contratar novos elementos de igual qualificação; até mesmo compelia o Serviço não somente a despedir diversos de seus colaboradores, mas a entregar trabalhos iniciados a servidores evidentemente incapazes de levá-lo avante.

Ainda mais difícil foi o problema da imposição de autoridade. Muito mais que por maiores dotações orçamentárias, o SPI lutou sempre por obter um apoio mais decidido do governo central, que lhe permitisse fazer face aos poderes locais. Era o chefe de polícia negando-se a prender assassinos de indígenas; os próprios juízes absolvendo-os contra todas as evidências e contra a lei; os prefeitos negando-se a tomar qualquer providência administrativa contra o esbulho de terras indígenas, mesmo porque, em termos políticos, decidiam entre seus eleitores, de um lado, embora criminosos, e indígenas analfabetos, do outro.

Através de toda a sua história, o Serviço de Proteção aos Índios se viu quase sempre só, lutando contra o consenso geral para impor a aplicação da lei, não somente daquela que garantia amparo especial ao indígena, mas o simples respeito ao Código Civil, quando indígenas se viam envolvidos em conflitos com civilizados.

Não foram estas, evidentemente, as causas únicas das dificuldades do Serviço de Proteção aos Índios. O rápido sucesso alcançado na pacificação das tribos hostis mais próximas das grandes cidades aliviou o governo das pressões que sofrera no sentido de criar e manter o SPI. Ademais o Serviço se revelara muito mais incômodo do que se imaginara, quando de sua criação. Pusera realmente em prática o seu programa, opondo-se deste modo a centenas de potentados locais, cujos negócios se baseavam na exploração da mão-de-obra indígena, e cujos projetos de riqueza se assentavam em perspectivas de usurpação de terras indígenas. Levara às regiões mais distantes o conhecimento de leis que, se libertavam o indígena da escravidão no seringal e na fazenda, por dívida ou por qualquer compulsão, também libertavam o sertanejo. Distribuíra mercadorias, quebrando monopólios ciosos; abrira escolas, alfabetizando gente que, analfabeta, sempre fora mais acomodada e menos exigente. Por tudo isto, cada servidor sabe de ciência própria e de experiência pessoal que não pode contar com os governantes estaduais e locais, quase sempre ligados, política e economicamente, aos interesses dos exploradores dos indígenas.

O apoio do governo central, mais distanciado das fronteiras de expansão, nem sempre foi suficiente para fazer face à oposição e até mesmo à odiosidade dos poderes locais. A precariedade da posição do Serviço, entre estas esferas de poder, foi desnudada cada vez que o governo federal e governos estaduais entravam em conflito. Assim, cada movimento revolucionário ocorrido no Brasil, desde a criação do Serviço de Índios, pareceu a seus funcionários, nas zonas ele mais atua, realizado contra os indígenas, tais as violências que desencadeava, levadas a efeito pelo novo bando que ascendia ao poder. É que, nessas ocasiões, em geral os papéis se invertem e os governos locais, dependentes do central, passam a vender caro o seu apoio, e entre suas exigências estava quase sempre a de uma nova política indigenista, que deixasse mãos livres para o esbulho do que restava aos indígenas. Na verdade, a legislação indigenista era fruto das cidades costeiras, com sua mentalidade mais liberal e, sobretudo, sua desvinculação dos problemas das zonas pioneiras, e jamais foi aceita pela gente que vive nas fronteiras de expansão.

A situação continuou precária até 1940, quando Getúlio Vargas visita a ilha do Bananal e, enternecendo-se com as crianças Karajá, decide amparar o SPI. Começa, então, um novo ciclo de atividades intensivas. Reorganiza-se e se renova o quadro de pessoal do Serviço, que retorna ao Ministério da Agricultura, reinstalam-se postos indígenas abandonados há anos, reiniciam-se as atividades de pacificação.

Uma desgraça talvez maior sobrevém, então, através da imposição ao SPI das normas estandardizadas para a administração pública federal. Dentro de poucos anos vê-se o Serviço invadido – não nos postos instalados no interior, mas nas cidades – por burocratas incapazes de compreender ou de se identificar ideologicamente com a obra a que se ligava. Nestas condições, os postos vão sendo entregues a agentes recrutados a esmo, inteiramente despreparados para as tarefas que são chamados a desempenhar e dirigidos por funcionários citadinos que entendem menos ainda do problema indígena, só atentos a normas burocráticas formais, frequentemente inaplicáveis a uma atividade tão singular como a proteção aos indígenas.

Uma reação enérgica contra esta situação foi levada a efeito de 1950 a 1954 por José Maria da Gama Malcher, que contrata etnólogos e lhes entrega a direção das principais divisões do SPI, num esforço para substituir a antiga ideologia positivista, evidentemente superada, por uma orientação científica moderna. A experiência revelou-se altamente fecunda e permitiu ao SPI alcançar outra fase alta de sua história. Lamentavelmente entraria logo em novo colapso, quando a política partidária começa a interferir em seus destinos. O SPI, como inúmeros outros órgãos da administração federal, transformados em prêmio de barganha eleitoral entre os partidos políticos vitoriosos nas eleições de 1955, é entregue ao PTB. Graças à enérgica reação de um grupo de servidores contra esse clientelismo, o SPI foi retirado da influência política direta dos partidos, a partir de 1957. Entretanto, o custo dessa vitória foi a classificação do SPI como “Órgão de interesse militar”, cuja direção poderia ser entregue a oficiais da ativa.

Os últimos anos de administrações militares já não inspiradas nos princípios filosóficos positivistas, como ao tempo de Rondon, ou em quaisquer outros, conduziram o SPI ao ponto mais baixo de sua história, fazendo-o descer, em certas regiões, à condição degradante de agente de sustentação dos espoliadores e assassinos de indígenas.

As irregularidades foram tantas e os escândalos tão grande que, sob pressão internacional, o SPI foi extinto em 1967 e no seu lugar surgiu a Fundação Nacional do Índio - Funai. 


Fontes :
Os Índios e a Civilização / Darcy Ribeiro. - São Paulo: Círculo do Livro S.A. s/data. 
Brasil Indígena: 500 anos de resistência
 / Benedito Prezia, Eduardo Hoomaert. - São Paulo: FTD, 2000


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