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Adornos
Pintura
Preparo da pintura
Pintura Asurini do Trocará
Pintura Ausrini do Xingu
Pintura Wayana
Pintura Xavante
Pintura Xerente
Plumária

Pintura Corporal Xavante

Texto da Professora Regina Polo Müller

Os Xavante são um povo de língua Jê localizado no Planalto Central do Brasil, Estado de Mato Grosso. Com mais de quarenta anos de contato, esses indígenas, distribuídos em várias aldeias e reservas, realizam rituais tradicionais que se destacam pela participação de grupos em que se divide a sociedade Xavante.

Esses grupos, por sua vez, se distinguem pela ornamentação do corpo. Categorias individuais, entretanto, também são diferenciadas por meio de elementos desse sistema de comunicação visual. Entre os Xavante, o uso de enfeites corporais obedece a regras precisas de um sistema de
significação.

Na ornamentação corporal Xavante há sinais diacríticos que distinguem grupos e marcam categorias e status sociais. O pertencimento a grupos de idade, grupos cerimoniais e clãs.

A linguagem visual dos enfeites transmite também informações sobre prestígio e transgressão, punição, direito e dever. Segundo informantes, quando um indivíduo usa enfeites que não pertencem a sua linhagem, é punido publicamente e o enfeite é cortado e retirado de seu corpo.

Trata-se, principalmente, de enfeites que levam determinadas penas de aves, cujo uso é exclusivo de indivíduos que possuem direitos e deveres pertinentes à esfera ritual e mágica, devido ao fato de serem membros de certas linhagens.
Pintura corporal
Além das partes do corpo, outros elementos pictóricos são o retângulo duplo vermelho sobre o estômago e nas costas, o desenho damana 'rada, traços vermelhos e pretos e os desenhos clânicos
Tsorebdzu
No colar tsõrebdzu prende-se pena de gavião, de rabo de papagaio, do pássaro chamado sirudu, do beija-flor vermelho, do mutum ou da arara-azul, de acordo com a função ritual ou mágica que seu usuário tem o dever e o privilégio de exercer.
Em algumas cerimônias, esses indivíduos se distinguem pelos detalhes dos enfeites usados por todos os participantes. No colar tsõrebdzu ("a gravatinha") - peça básica da ornamentação corporal Xavante - prende-se pena de gavião, de rabo de papagaio, do pássaro chamado sirudu, do beija-flor vermelho, do mutum ou da arara-azul, de acordo com a função ritual ou mágica que seu usuário tem o dever e o privilégio de exercer.
Assim, nas cerimônias de grupo de idade, o aihöubuni, indivíduo que tem a função de liderar sua classe de idade durante o período de reclusão na casa dos solteiros, usará a pena mutum.  (Veja também Outros Adornos)

Nos rituais religiosos wai'á, certos indivíduos se distinguem dos demais participantes por pertencerem a linhagens de prestígio político. Esse pertencimento lhes confere as funções mágicas de "dono da cobra", "dono da anta", "dono dos lagos", "dono do veneno", "dono da madeira wamari", "dono das águas correntes", "dono dos queixadas". Outras funções, essencialmente rituais, também herdadas, são desempenhadas nos rituais de iniciação masculina e de nominação das mulheres.

Essa distinção do indivíduo complementa, entretanto, outra que o identifica com um grupo: seu clã, seu grupo de idade, seu grupo cerimonial nos rituais wai'á. Nesses casos, o código simbólico usado é a pintura do corpo, feita com jenipapo e urucum, ou seja, em preto e vermelho.

A pintura corporal Xavante marca, antes de mais nada, a participação do indivíduo em rituais e cerimônias, separando o cotidiano e a esfera doméstica da vida pública e cerimonial. Esta é exercida predominantemente pelos homens, os quais, por isso mesmo, são os que mais frequentemente se ornamentam. As mulheres o fazem, principalmente, em duas ocasiões: o casamento e a nominação.
A pintura corporal Xavante utiliza, além do vermelho e do preto, o branco e a mistura das cores, cinza e preto com vermelho. As formas são as partes do corpo preenchidas com essas cores: braços, coxas, pernas, tronco, ombro, cabeça.
Além das partes do corpo, outros elementos pictóricos são o retângulo duplo vermelho sobre o estômago e nas costas, o desenho damana 'rada, traços vermelhos e pretos e os desenhos clânicos.
Com esse repertório finito de formas e cores, os Xavante combinam elementos da pintura e enfeites, produzindo mensagens por meio de um código visual estruturado.
Motivos da pintura corporal Xavante
Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6
danhanapré wapté daupté dauhö ahurã ahu'rã'pré
As cores e as partes do corpo pintado são elementos visuais cuja combinação obedece a regras de um sistema fortemente estruturado. Os princípios estruturais desse sistema correspondem aos princípios de sistemas de classificação social aos quais a pintura corporal encontra-se relacionada: grupos de idade, grupos cerimoniais, clãs e linhagens.
Não só a distinção de grupos e indivíduos está expressa na ornamentação corporal, mas também se relaciona à situação em que é usada. O motivo da pintura daupté (tronco, coxas e braços pintados de vermelho) é usado por grupos de idade na cerimônia ubdo'wá, mas não o é na corrida do buriti, também realizada por grupos de idade.

Por meio da pintura do corpo, os Xavante também representam espíritos como o Pi'ú, do ritual wai'á, a onça, o jaburu e o lobo, do ritual de iniciação das mulheres. Trata-se de motivos de pintura que cobrem toda a superfície do corpo e, portanto, não obedecem aos limites das partes
comumente pintadas .

O motivo danhihödö, outro exemplo de pintura que cobre todo o corpo, é usado por um grupo de idade no ritual de iniciação à maturidade e marca, portanto, transição de status. Por outro lado, indivíduos encarregados de funções mágicas e rituais, já citados anteriormente, também usam pintura desse tipo no ritual de nominação das mulheres.

A divisão do corpo por meio da pintura é feita de acordo com a concepção anatômica que os Xavante têm do corpo humano: partes externas - coxas, pernas, braços, tronco, ombro e cabeça - e órgãos internos - representados pelo retângulo vermelho duplo, cuja designação significa
"tripas vermelhas".

Os motivos de pintura que não obedecem aos limites dessa divisão não ressaltam a anatomia humana, segundo a concepção Xavante. O fato de não obedecer a esses limites pode significar a negação do caráter humano do corpo e a capacidade de representar na pele seres relacionados  a outros domínios do cosmo. Animais, espíritos e indivíduos, em momento de transição de status, transcendem ao mundo dos homens.

Motivos de pintura e demais elementos da ornamentação, além de pulseiras, brincos e colar tsõrebdzu são determinados, por isso mesmo, pelo contexto cerimonial.

Há motivos de pintura e enfeites corporais próprios de um único ritual. É o caso, por exemplo, da pintura dauhäba usada pelo homem no casamento. As máscaras wamnõro também são usadas apenas no ritual de iniciação à maturidade.

Apesar das profundas transformações que os Xavante têm sofrido, a arte corporal é um dos aspectos culturais que não perderam o lugar neste novo momento de sua história, confirmando sua importância enquanto elemento constitutivo de reprodução da sociedade.


Fonte : Mensagens visuais na ornamentação corporal Xavante / Regina Polo Müller in Grafismo Indígena: Estudos de Antropologia Estética / Lux Vidal (organizadora), 2ª ed. – São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.
Ilustração dos Motivos da pintura corporal Xavante: Claudio Torvar

Regina Polo Müller  - Professora do Instituto de Artes da Unicamp, tem se dedicado há mais de quinze anos ao estudo de manifestações artísticas em sociedades indígenas. Elaborou duas teses sobre temas nesta área de pesquisa: a dissertação de doutorado, versando sobre arte, história e xamanismo entre os Asurini do Xingu (1987) e a de mestrado, sobre a ornamentação corporal Xavante (1976). Escreveu vários artigos sobre a arte indígena, destacando-se "Pintura e Adornos Corporais", em co-autoria com Lux Vidal, parte do volume Arte Índia da Suma Etnológica Brasileira, organizada por Berta Ribeiro (Vozes/FINEP, 1986). Coordenou e participou de diversas exposições sobre arte e cultura material de grupos indígenas no Brasil. Foi membro da equipe de edição do Levantamento de Povos Indígenas no Brasil/CEDI (1983-85) e antropóloga da FUNAI (1978-1984). Coordenou projetos de assistência com ênfase na área da saúde, comercialização da produção de objetos e defesa do território indígena. 


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