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eclipse lunar um jaguar está atacando a Lua, querendo matá-la. Então
todos, homens e mulheres, pondo algodão, gritam: "O jaguar quer matar
nosso avô! O jaguar, solta nosso avô!" etc. Gritava-se até que o jaguar
abandonava a presa. Ainda durante o eclipse lunar de 1937, Jacinta e sua companheira Rosalina (falecida nesse mesmo ano) assim procederam. Um filho de criação de Jacinta, criticando as duas e rindo-se, tratou de acalmá-las, mas Jacinta, indignada, gritou-lhe que era um tolo, que não entendia desses assuntos. A moça-estrela
Um indígena estava dormindo em sua rede quando, à noite, duas estrelas desceram em forma de mulher, uma nova e outra bem mais velha, as quais se chegaram a ele. Segurando os punhos da rede, elas a sacudiram. O homem acordou e deteve a mais velha, prendendo-a por um dos braços, enquanto a mais nova escapava, subindo novamente para o céu. Ele pediu à moça-estrela que ficasse em sua companhia. Casou com ela e tiveram um filho. Quando o menino já contava uns sete anos, ela sentiu saudade dos seus parentes do céu e pediu ao marido que a acompanhasse numa visita a eles. O homem não quis atender a mulher e lhe disse que, se quisesse, fosse só, mas que deixasse o filho aqui na Terra. Ela, porém, não queria abandonar o marido e insistiu para que se resolvesse a ir junto. Foi ao mato e lá procurou um coqueiro muito alto; depois chamou o filho e o marido. Tomando uma pedra, bateu com ela no espique da palmeira, e esta ficou muito baixinha (cerca de um metro). Pediu que seu marido se sentasse no olho da palmeira; tanto pediu que ele, por fim, atendeu-a, se bem que esse negócio lhe parecesse duvidoso e que ele tivesse pressentimento de um desastre. Ela guardou as armas do companheiro e lhe ordenou que fechasse os olhos, pois ia mandá-lo ao céu, seguindo-o com o filho sem demora. Bateu outra vez com a pedra no caule da palmeira e este, rapidamente, cresceu sob o ruído das palmas, e depôs o homem no céu. A seguir, chegou lá a mulher, acompanhada do filho, conduzindo as armas que tomara do companheiro antes da viagem. Arrancou alguns fios do próprio cabelo e com eles fez cócegas nas narinas do homem que estava sem sentidos, fazendo-o espirrar e voltar a si. Ele estava desconsolado e se lamentava: "Agora perdi para sempre minha terra e meus parentes!" A mulher procurava consolá-lo, dizendo que no céu também se podia viver muito bem, pois havia muita caça, e ela possuía muitos parentes, toda uma aldeia cheia. Disse-lhe mais, que iria ao mato levantar a caça e tangê-la para seu lado; aconselhou-o que esperasse com o menino ali no caminho, e matasse os animais quando por lá passassem. Ela foi e, pouco tempo depois, ele ouviu sua voz alta, a distância. Logo uma multidão de borboletas de todas as qualidades passou voando pelo caminho, mas nenhuma caça. Por fim, a mulher voltou e perguntou-lhe o que havia matado. "Nada", respondeu, "aqui só passaram borboletas, mas nenhuma caça." - "As borboletas são caça", eexplicou a mulher, "atira sobre elas!" Depois de assim falar, internou-se de novo na mata, numa outra direção, e, assim que gritou de longe, veio outra vez uma enorme quantidade de borboletas, voando sobre o caminho. O homem atirou uma flecha entre elas e logo um veado caiu flechado. Atirou uma segunda vez e derribou um porco; com a terceira flecha matou uma enorme anta. Quando a mulher voltou, disse-lhe: "Mataste muita caça! Minha gente costuma matar sempre um animal só.” Eles tiraram as vísceras da caça e a mulher meteu o porco e o veado no seu ayó. Como a anta fosse pesada demais, a mulher aconselhou que o marido a deixasse no chão, até que seus irmãos pudessem vir ajudá-lo. O homem, porém, não quis deixar a presa atrás e fez alças de envira para pendurá-la às costas. A mulher suspendeu o ayó e, apesar do seu enorme peso, pôde carregá-lo, porque era muito robusta. O homem tomou uma pedra e bateu com ela numa das pernas da anta; sem demora o animal encolheu, ficando do tamanho de um cachorro. O homem, tomando-a às costas, seguiu a mulher. Diante da aldeia, ele cortou o galho de uma árvore que crescia ao lado do caminho, pendurando a carga nesse gancho. Tornou a bater na perna da anta, e esta ficou novamente do seu tamanho natural. |
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Quando chegaram à entrada da aldeia, a mulher, que ia à frente com o filho, recomendou ao marido que não levantasse os olhos de seus calcanhares, para não se perder. Assim ele fez a princípio; mas, chegando ao pátio da aldeia, levantou a vista e olhou em redor; quando, depois, procurou outra vez a mulher, esta havia desaparecido. Chegando à casa do irmão, ela procurou o marido por toda a parte, mas inutilmente. "Onde está teu pai?", perguntou ela ao filho. "Ficou 1á atrás", respondeu este. "Então vai buscá-lo!" 0 menino foi em busca de seu pai e o conduziu a casa, onde sua mãe já o aguardava. A mulher mandou, também, um dos seus irmãos voltar atrás para lhe trazer a anta. O animal, entretanto, pesava demasiadamente e ele, sozinho, não a pôde carregar. Todos os seus outros irmãos tiveram de ajudar ao primeiro. Só assim a anta pôde ser conduzida. A mulher tinha no céu vários amantes, que se irritaram com a chegada de seu marido, e que, em conversa, afirmaram sua vontade de matá-lo. O homem, sabendo disso, ficou com muito medo. Além disto, ele tinha muita saudade de sua mãe, que chorara muito vendo-o partir da Terra. A mulher, mais uma vez, procurou consolá-lo; seus irmãos, certamente, não consentiriam que o matassem... Mas o homem continuava desolado. Quando, um dia, estava sentado a chorar, completamente entregue à própria dor, chegou um urubu e lhe perguntou por que estava tão triste. O homem contou-lhe que pretendiam assassiná-lo e, por essa razão, queria retornar à sua terra. Então o urubu o consolou: ele, urubu e seus próprios parentes haveriam de restituí-lo; combinou que, no dia seguinte, ao clarear da manhã, estivesse naquele mesmo lugar. A esperança de se ver outra vez na sua terra alegrou extraordinariamente o homem, de tal modo que prometeu oferecer um banquete aos urubus, no caso de cumprirem o prometido. No outro dia chegou cedo ao lugar marcado. Ali todo o chão estava preto por causa da multidão de urubus que já o esperava; havia entre eles também muitos urubus-reis. Formaram um círculo em torno dele e entrançaram suas asas, fazendo o homem deitar-se sobre elas, com os olhos fechados. Depois o levantaram cuidadosamente e desceram com ele, em espirais, para a Terra. Ele havia perdido os sentidos quando chegou, mas os urubus fizeram-no recobrar os sentidos. Depois cada um dos urubus-reis arrancou uma pena da própria asa, dando-a de presente ao homem para a emplumação de suas flechas. Feito isto, os urubus voltaram. No dia seguinte, o homem foi caçar e matou uma anta. Limpou um lugar na mata onde depôs a caça, e, quando esta apodreceu, os urubus se reuniram e fizeram a sua festa. A mulher e o menino ficaram para sempre no céu. |
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O Trovão Um menino, de uns cinco anos, estava brincando no terreiro da casa de seus pais quando o vento chegou e o carregou para a casa de pedra do Trovão, no céu. O pai do menino, que era pajé, procurou-o, em vão, por toda parte. Como não o encontrasse na Terra, subiu ao céu e lá também chegou à casa do Trovão. Esta se encontrava num terreiro grande, no qual uma multidão de animais selvagens se achava, pacificamente, de pé ou deitada: antas, onças, jabutis, grandes cobras venenosas e muitos outros. Eram os xerimbabos do Trovão que, quando tinha fome, matava e comia um deles. Ele é rico e tem sempre muita comida em casa. O homem teve muito medo dos animais, e não se atreveu a chegar perto; depois verificou que todos eram mansos e não o atacavam. Passou sobre as cobras venenosas e estas ficavam deitadas e nem se mexiam. Chegou à porta da casa do Trovão, mas este não estava; sua esposa, que tinha uma barba de um palmo de comprimento, recebeu o homem. Este perguntou pelo menino, e ela respondeu que ele se achava ali, passava bem e estava engordando. Então, o homem quis levar o menino, mas a mulher lhe disse que aguardasse a chegada do Trovão. Logo depois este veio: era pequeno e gordo, e de cor preta (há porém, além deste preto, também um Trovão branco). O homem lhe pediu que lhe restituísse o filho, mas o Trovão não quis atendê-lo. Então o homem objetou que não podia deixar o menino, porque era seu único filho; sua mulher estava chorando muito por causa de sua ausência. Se tivesse mais filhos, com muito gosto ceder-lhe-ia um. Então o Trovo assentiu. Não concordou, porém, em que o homem, pessoalmente, o conduzisse; prometeu-lhe que dois dias depois o mandaria. De fato, o vento o trouxe outra vez, dentro do prazo marcado, depondo-o no mesmo lugar de onde o havia arrebatado. Kecaxkwenyói Kecaxkwenyói
desceu do céu para Terra e chegou, no mato, a um acampamento de índios.
Seu corpo estava todo coberto de placas escuras e de úlceras. Toda a
gente fugia dele para a mata, logo que ele entrava numa choça, pedindo
um lugar para se aquecer junto ao fogo. Um casal finalmente recebeu-o,
tratou dele e o alimentou bem, até que conseguiu vê-lo restabelecido.
Kecaxkwenyói agradeceu-lhes muito. "Fostes bom comigo, por isso quero
também ser bom convosco. Sereis muito ricos!" Ele mandou que o homem
derribasse uma grande arvore, junto à choça, mas logo que este começou
a golpear o tronco, ouviu um gemido. Correu cheio de medo e contou o
acontecido a Kecaxkwenyói. Este lhe disse que não se incomodasse e
cortasse a árvore. Quando ela caiu, junto com ela caíram também todas
as outras árvores ao redor, e fez-se uma grande derribada. Então
Kecaxkwenyói foi ao céu buscar maniva, feijão, jerimum, inhame, etc., e
mandou que o homem plantasse tudo. Depois ele tornou ao céu e nunca
mais voltou à Terra.
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Ilustração de viagem: Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil / Jean Baptiste Debret. São Paulo: Círculo do Livro S.A. s. data.
Fonte: Os Mitos / Curt Nimuendaju in Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional . nº 21 / 1986 - Fundação Nacional Pró-Memória / Secretaria do Patrimônio e Artístico Nacional (SPHAN) Ministério da Cultura
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