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Kaingang
Mitos coletados por Nimuendaju

Os Kaingang formam, até o presente, vários grupos espalhados pelo oeste dos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, pelo norte do Rio Grande do Sul e pelo leste das Missões Argentinas. Sua língua relaciona-se com a família Gê, podendo ser, provisoriamente, considerada como Grupo Meridional dela. Os fragmentos de lendas relatados procedem de índios da região do rio Ivaí, e foram coletados em 1912.
Kaingang
A origem dos Kaingang

A tradição dos Kaingang afirma que os primeiros da sua nação saíram do solo; por isso têm cor de terra. Numa serra, não sei bem onde, no sudeste do estado do Paraná, dizem eles que ainda hoje podem ser vistos os buracos pelos quais subiram. Uma parte deles permaneceu subterrânea; essa parte se conserva até hoje lá e a ela se vão reunir as almas dos que morrem, aqui em cima.

Eles saíram em dois grupos chefiados por dois irmãos, Kanyerú e Kamé, sendo que aquele saiu primeiro. Cada um já trouxe consigo um grupo de gente. Dizem que Kanyerú e toda a sua gente eram de corpo delgado, pés pequenos, ligeiros, tanto nos seus movimentos como nas suas resoluções, cheios de iniciativa, mas de pouca persistência. Kamé e seus companheiros, pelo contrário, eram de corpo grosso, pés grandes, e vagarosos nos seus movimentos e resoluções.

A criação dos animais

Como esses dois irmãos com a sua gente foram os criadores das plantas e dos animais, e povoaram a Terra com os seus descendentes, tudo neste mundo pertence ou à metade Kanyerú ou à metade Kamé, conhecendo-se a sua descendência já pelos traços físicos, já pelo temperamento, já pela pintura: tudo o que pertence a Kanyerú é manchado, o que pertence a Kamé é riscado. Essas pinturas, o indígena vê tanto na pele dos animais como nas cascas, nas folhas ou nas flores das plantas, e para objetivos mágicos e religiosos cada metade emprega material tirado de preferência de animais e vegetais da mesma pintura.
Kanyerú fez cobras, Kamé, onças. Este fez primeiro uma onça e a pintou, depois Kanyerú fez um veado. Kamé disse à onça: "Come o veado, mas não nos coma!" Depois ele fez uma anta, ordenando-lhe que comesse gente e bichos. A anta, porém, não compreendeu a ordem. Kamé repetiu-lhe ainda duas vezes, em vão; depois lhe disse, zangado: "Vai comer folhas de urtiga!  Não prestas para nada!" Kanyerú fez cobras e mandou que elas mordessem homens e animais.  Queimou um espinho chamado sodn e esfregou a cinza nos dentes da cobra a fim de torná-los venenosos. Kamé quis então fazer um animal muito feroz, e começou a fazer o tamanduá. Eles estavam trabalhando durante a noite, e quando o dia começou a romper, o tamanduá ainda não estava pronto: já tinha unhas enormes, mas a boca ainda estava por fazer. Então Kamé arrancou um cipó e meteu-o como língua na boca do estranho animal, que ficou mal acabado.
Quando já estava claro, eles começaram a correr, e logo uma onça pegou um Kanyerú, e Kamé foi mordido por uma cobra. Pararam para tratar o doente, quando o surucuá (Trogon sp.) cantou: Tug!  Tug!  Tug!  Um velho explicou essa cantiga como tu (- carregar) e mandou que carregassem o doente para o lugar do acampamento. Um pequeno gavião cantou: Tokfín! (- amarrar) e o velho mandou amarrar o membro lesado. Um outro passarinho cantou: Ngidn! (- cortar), e eles abriram a ferida com um corte. Outro cantou: Iandyóro! (- espremer) e eles espremeram a ferida. Por fim um outro cantou: Kaimparará! (kaimpára - inchado), e o velho disse: "Isto é; um mau grito! Amanhã o membro estará inchado!" Assim foram tratando o doente até que se restabelecesse.

A origem dos nomes de pessoas

Quando, depois, os dois irmãos com a sua gente começaram sua migração pela terra, aproveitaram  os acontecimentos durante a viagem para impor nomes aos seus companheiros: encontrando um passarinho vermelho de nome erégn, Kanyerú achou bom este nome e o deu a seu filho. Quando mataram um gavião real (hu-mbagn), Kanyerú deu a um dos seus companheiros o nome de Hu-mbagn-niká - penacho de gavião real. Passando, com sol quente, por um campo, uma menina Kamé quebrou um galho de uma árvore chamada soke para usá-lo a jeito de guarda-sol. Quando chegaram ao acampamento, Kamé chamou a menina Soke-kign. No dia seguinte mataram uma onça (mi), e Kamé deu a um dos seus companheiros o nome de Mi-yantkí (- boca de onça), enquanto Kanyerú batizou um outro por Mi-nindó (- braço de onça).  Depois outra vez Kamé chamou uma mulher de Mi-kané (- olho de onça) etc. O rezador, que sabe de todos esses episódios pela tradição que ele e os seus colegas guardam, é, por isso, competente para impor o nome à criança, e, já pelo nome, se conhece a qual metade o indivíduo pertence.
As almas de defuntos

A alma do defunto (vaekruprí) penetra no chão, imediatamente ao lado do cadáver, começando logo a se encaminhar rumo ao Toldo dos Defuntos. O primeiro pedaço do caminho é nas trevas, mas logo ela sai outra vez ao claro, onde se encontra com algumas outras almas que lhe oferecem comida. Se comer, continuará o caminho; se não, voltará à superfície da terra, entrando novamente no corpo que a alma abandonara. Assim se explicam os casos em que pessoas aparentemente mortas tornam à vida. Para lá daquele ponto, começam para a alma as dificuldades e perigos do caminho: primeiro, encontra uma encruzilhada onde um caminho errado conduz a um lugar onde uma caba preta, gigantesca (kokfumbágn) espera as almas para devorá-las. Em outro trilho errado, acha-se armado um laço que colhe a alma, atirando-a dentro de uma panela com água a ferver. Finalmente, tem de atravessar um brejo por uma pinguela estreita e escorregadia. Se escorregar e cair, é devorada por um enorme caranguejo ou, segundo outros, por um cágado.

Além da pinguela, a alma encontra o Toldo dos Defuntos, onde os seus conhecidos finados já a esperam com góyo-kuprí¹ para festas e danças. Nesse Toldo dos Defuntos, tudo é mais ou menos como aqui em cima, na Terra. Algumas coisas, porém, têm lá significado diferente ou oposta: assim, os defuntos tratam umas formigas grandes de "onças"; as minhocas são "peixes"; as aranhas, "cobras" etc. O milho é preto. Naturalmente, as almas também brigam entre si, e quando isto acontece, sempre há entre os vivos algum desastre. Nos cemitérios acham-se muitas vezes vestígios de cacetadas, golpes de terçado e marcas de quedas de corpos impressos no chão, especialmente poucos dias depois do enterro, no lugar que o Pényê² varreu com ramos. Se aparecerem só pegadas, é sinal que logo alguém vai morrer. Bem junto ao cadáver, enquanto este ainda não tiver sido tirado do seu leito de morte, o Pényê encarregado de tratá-lo espalha cinza no chão, alisa-a e marca os lugares da vizinhança: o toldo X, o toldo Y etc. Pouco depois aparecem na cinza, no lugar correspondente, aqueles sinais acima mencionados, e até rastros de cobra, se alguém tiver de ser mordido por um desses répteis. Não é, porém, qualquer um que enxerga essas coisas e sabe explicá-las.

O dilúvio

Quando o dilúvio chegou, os indígenas se transformaram em macacos-pregos, e os negros, em guaribas, o que se pode verificar pela catinga destes, que é a mesma dos negros. Um homem salvou-se, trepando numa palmeira jerivá. Estava comendo as frutas, enquanto as pontas dos seus pés pendiam n'água. Os dourados vieram para apanhar os caroços, mas de repente morderam também os dedos dos pés do homem. Por isso, o dedo miudinho do nosso pé é menor que os outros. Quando os indígenas já estavam meio mortos de fome, apareceu o biguá (Krukrú)³ e disse: "Eu farei uma terra para vós!" Trouxe uma das mãos cheia de terra que espalhou na superfície da água, de maneira que formou uma ilha. Depois tornou a trazer outra mais, e assim trabalhou durante dias. Quando não espalhava bem a terra, esta formava colinas e montanhas.

1- Bebida fermentada de milho.
2- Os Kaingang do Ivaí reconheciam, em ambas as suas metades exogâmicas, quatro (ou mais?) classes, consideradas de maior ou menor sensibilidade quanto a influências más, e consequentemente com funções cerimoniais diversas. A classe dos Pényê era  considerada inferior, sendo a menos sensível a feitiço, impureza e doenças. Aos Pényê cabiam as funções de mais importância na ocasião de um óbito, pois só eles podiam lidar sem prejuízo com o cadáver e com a viúva.
3- Phalacrocorax olivacens, Humb., ave passeriforme que vive nos rios e costas marítimas.

Fonte: Os Mitos / Curt Nimuendaju in  Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional .  nº 21 / 1986 - Fundação Nacional  Pró-Memória / Secretaria do Patrimônio e Artístico Nacional (SPHAN) Ministério da Cultura


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