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A arara foi com sua companheira ao mato para colher sapucaias. Tiveram de procurar muito até que acharam um pé com frutas; mas, quando quiseram colhê-las, chegaram os urubus que tomaram posse da árvore e enxotaram as araras. A arara disse: "Esperai! Eu me vingarei!" E logo caíram os cabelos compridos que os urubus naquele tempo ainda tinham, e eles se tomaram calvos. |
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3. A origem
da hostilidade entre os animais
Antigamente,
os animais eram como gente, e não havia hostilidade entre eles.
Um pajé chegou e deu de comer a todos. Então veio à
irara a idéia de fazer com que ficassem inimigos entre si.
Ela ensinou a cobra a morder, de maneira a matar ou a mutilar suas
vítimas;
ensinou o mosquito a sugar sangue. Todos se transformaram em animais,
inclusive
a própria irara, para que não pudessem ser reconhecidos.
Quando o pajé chegou, repreendeu-os, mas já não havia
mais remédio. Então o pajé também se transformou
em pica-pau, e o seu machado no bico desta ave.
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4. Os homens-guaribas
Entre
os macacos há alguns que são
yikégn e que têm
dupla vida, sendo ora animais, ora gente; ou, mais precisamente, têm
natureza de gente mas se apresentam aos verdadeiros homens sob a forma
de animais.
Dois homens foram caçar. Ouviram os guinchos dos guaribas e foram caminhando na direção de onde pareciam vir o som. Avistaram um grande guariba que saltava de um lado para outro num galho. Ambos atiraram um grande número de flechas no animal, mas nenhuma o atingiu. De repente o guariba, na árvore, tomou forma humana. Tinha um arco e um feixe de flechas nas mãos e, quando os caçadores tomaram a atirar, ele respondeu ao ataque. Uma de suas flechas feriu um dos caçadores no ombro. Então o outro disse consigo: "Agora já feriu o meu companheiro! Tenho de matá-lo sem falta!" Fazendo pontaria cuidadosamente, acertou desta vez o homem-guariba, que caiu da árvore. Tendo-o prostrado por terra, acabou de matá-lo e deixou seu cadáver no chão, porque tinha de cuidar sem demora do transporte do companheiro ferido para casa, a fim de submetê-lo a tratamento. Quando o ferido já estava melhor, o caçador resolveu tornar ao mato para ver se o cadáver do homem-guariba ainda lá estava; nada mais, porém, encontrou. No lugar em que ficara havia, entretanto, alguns vasos de barro com restos de comida. (Os guaribas comuns comem frutas, mas os que são yikégn alimentam-se como se fossem gente.) |
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5. 0 macaco
vingativo
Um
indígena
de nome Yatún foi caçar na mata e encontrou um bando de macacos.
Escolheu o maior e lhe atirou uma flecha. O macaco, porém, apanhou-a
com as mãos, virou-a e a atirou para trás, ferindo Yatún
gravemente. Este deixou cair as armas e se arrastou para casa, onde
veio
a morrer pouco depois.
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6. Katnáp
morto pela onça
Katnáp
tinha colhido antóm (larvas de coléopteros), e,
querendo
comê-las, pediu a um seu parente que lhe desse algumas bananas para
comer com os antóm; mas o parente negou-lhe as
frutas. Então
Katnáp pegou arco e flecha e foi pessoalmente buscar as frutas que
pedira, enchendo com elas o seu ayó. Com a carga às
costas, pôs-se a caminho, em direção à sua casa.
Durante o trajeto, encontrou um galho fino, com três ramos partindo
simetricamente de um só ponto. Cortou-o, pensando fazer com ele
uma ponta para a sua flecha de matar pássaros (monheyák).
Nessa ocasião, uma onça que estava de emboscada à
margem do caminho, saltou sobre ele. Katnáp jogou logo o ayó1
para o lado e atirou uma flecha na onça. Apesar de ferido, o animal
não se importou e saltou novamente sobre o homem. Este se desviou
mais uma vez dela e lhe atirou, uma por uma, suas flechas, deixando-a
crivada
delas. Quando gastou a última flecha, a onça lhe pulou à
altura da nuca e o matou.
Como Katnáp não voltasse até a manhã seguinte, seus parentes mandaram um homem de nome Hon procurá-lo. Este achou o lugar da luta, o ayó e os restos do cadáver. Quando voltou e contou o que se tinha dado, todos se reuniram e levaram cachorros para matar a onça. Os cachorros encontraram o rastro da fera, seguiram-na e a acuaram. Atiraram-se sobre a fera, numa luta terrível, ao fim da qual a deixaram exausta. Então o mais forte dos homens saltou sobre ela e a cingiu com os braços. Todos os outros acudiram, subjugando a onça e a amarrando viva. Depois, fazendo uma grande fogueira, queimaram-na, ainda viva. Um parente de Katnáp deu uma surra naquele que tinha negado as bananas a Katnáp e lhe tomou a mulher. |
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7. Como Berén matou a onça | |||
Berén
foi caçar no mato. Tinha as flechas pintadas com urucu para torná-las
mais eficientes. Chegou a um lugar onde a anta estivera
comendo na
véspera. Enquanto estava examinando os rastros, apareceu uma onça
e saltou sobre ele. Berén se desviou por diversas vezes dos saltos
da fera. Atirou duas vezes, conseguindo feri-la. Depois trepou numa árvore. O animal correu durante algum tempo sem sossego, debaixo da árvore, de um lado para o outro, e finalmente se retirou. Depois de algum tempo, Berén desceu e seguiu o rastro de sangue da onça. Logo adiante, viu-a deitada no chão. Trepou novamente numa árvore e esperou até quando viu moscas ao redor do corpo do bicho; desse modo podia ter certeza de sua morte. Desceu e chamou sua gente; tiraram então o couro da onça e lhe comeram a carne. |
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8. Outra história
de onça
Um homem
foi ao mato colher frutas de caraguatá e chegou numa clareira onde
só havia um pé de jaracatiá2, cheio de
espinhos. Nesse momento uma onça tomou-lhe a frente e o atacou.
O homem se desviava, mas o animal continuava saltando sobre ele, a
rosnar.
Gritou o quanto pôde. Procurou uma árvore para, subindo por
ela, livrar-se do perigo de ser abatido pela fera; mas por ali só
havia aquele jaracatiazeiro. Não tendo outro recurso de que pudesse
lançar mão, subiu naquela árvore apesar de seus agudos
espinhos. A onça deitou-se debaixo da árvore e ficou esperando.
O homem atirava-lhe galhos mas não a alcançava, e ela continuava
no mesmo lugar. Finalmente um outro caçador respondeu, de longe,
aos gritos do aflito. Então a onça se levantou e foi no rumo
da outra voz. O homem desceu e se recolheu a sua casa.
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9. Mais uma
história de onça
Pogné
foi ao mato para esperar a caça que vinha comer, debaixo de uma
pitangueira, as frutas caídas. Ali mesmo uma onça o assaltou.
Ele se desviou, por diversas vezes, dos saltos dela e tanto fez que
conseguiu
salvar-se nos galhos de uma árvore. Esta, porém, estava seca
e, com o peso de Pogné, quebrou-se junto à raiz. Pogné
gritou, quando caiu com a árvore no chão, tanto que a onça
ficou com medo e correu, permitindo que Pogné voltasse são
e salvo a sua casa.
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1-
Saco de carga trançado em malha, usado por muitas
tribos do Nordeste do Brasil
2- Uma caricácea (Jaracatia dodecaphylla)
Ilustrações de viagem: Viagem ao
Brasil
do Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied - Biblioteca
Brasiliana
da Robert Bosch GMBH. - Petrópolis: Kapa Editorial, 2001.
Fonte: Os Mitos / Curt Nimuendaju in Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional . nº 21 / 1986 - Fundação Nacional Pró-Memória / Secretaria do Patrimônio e Artístico Nacional (SPHAN) Ministério da Cultura
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