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Encontro
Encontro de índios com europeus- Rugendas (detalhe).
A instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro foi o cunhadismo, velho uso indígena de incorporar estranhos à sua comunidade. Consistia em lhes dar uma moça indígena como esposa. Assim que ele  a assumisse, estabelecia, automaticamente, mil laços que o aparentavam com todos os membros do grupo.
Isso se alcançava graças ao sistema de parentesco classificatório dos indígenas, que relaciona, uns com os outros, todos os membros de um povo. Assim é que, aceitando a moça, o estranho passava a ter nela sua temericó e, em todos os seus parentes da geração dos pais, outros tantos pais ou sogros. O mesmo ocorria em sua própria geração, em que todos passavam a ser seus irmãos ou cunhados. Na geração inferior eram todos seus filhos ou genros. 
Nesse caso, esses termos de consangüinidade ou de afinidade passavam a classificar todo o grupo como pessoas transáveis ou incestuosas. Com os primeiros devia ter relações evitativas, como convém no trato com sogros, por exemplo. Relações sexualmente abertas, gozosas, no caso dos chamados cunhados; quanto à geração de genros e noras ocorria o mesmo.

Há amplo registro dessa prática entre os cronistas e também avaliações de sua importância devidas a Efraim Cardoso (1959), do Paraguai, e Jaime Cortesão (1964), para o Brasil.
A documentação espanhola, mais rica nisso revela que em Assunção havia europeus com mais de oitenta temericó. A importância era enorme e decorria de que aquele adventício passava a contar com uma multidão de parentes, que podia pôr a seu serviço, seja para seu conforto pessoal, seja para a produção de mercadorias.

Como cada europeu posto na costa podia fazer muitíssimos desses casamentos, a instituição funcionava como uma forma vasta e eficaz de recrutamento de mão-de-obra para os trabalhos pesados de cortar paus-de-tinta, transportar e carregar para os navios, de caçar e amestrar papagaios e soíns. Mais tarde, serviu também para fazer prisioneiros de guerra que podiam ser resgatados a troco de mercadorias, em lugar do destino tradicional, que era ser comido ritualmente num festival de antropofagia.
Os indígenas não queriam outra coisa porque, encantados com as riquezas que o europeu podia trazer nos navios, o usavam para se prover de bens preciosíssimos que se tornaram logo indispensáveis, como as ferramentas de metal, espelhos e adornos. Quando ficaram bem providos dessas mercadorias, outras lhes foram ofertadas. E, por fim, se teve que passar do cunhadismo às guerras de captura de escravos, quando a necessidade de mão-de-obra indígena se tornou grande demais.

A função do cunhadismo na sua nova inserção civilizatória foi fazer surgir a numerosa camada de gente mestiça que efetivamente ocupou o Brasil. É crível até que a colonização pudesse ser feita através do desenvolvimento dessa prática. Tinha o defeito, porém, de ser acessível a qualquer europeu desembarcado junto às aldeias indígenas. Isso efetivamente ocorreu, pondo em movimento um número crescente de navios incorporando a indiada ao sistema mercantil de produção. Para Portugal é que representou uma ameaça, já que estava perdendo sua conquista para armadores franceses, holandeses, ingleses e alemães, cujos navios já sabiam onde buscar sua carga.
Sem a prática do cunhadismo, era impraticável a criação do Brasil. Os povoadores europeus que aqui vieram ter eram uns poucos náufragos e degredados, deixados pelas naus da descoberta, ou marinheiros fugidos para aventurar vida nova entre os índios. Por si sós, teriam sido uma erupção passageira na costa atlântica, toda povoada por grupos indígenas.

Com base no cunhadismo se estabeleceu criatórios de gente mestiça nos focos onde náufragos e degredados se assentaram. Primeiro, junto com os indígenas nas aldeias, quando adotam seus costumes, vivendo como eles, furando os beiços e as orelhas e até participando dos cerimoniais antropofágicos, comendo gente. Então aprendem a língua e se familiarizam com a cultura indígena. Muitos gostaram tanto, que deixaram-se ficar na boa vida de indígenas, amistosos e úteis. Outros formaram unidades apartadas das aldeias, compostas por eles, suas múltiplas mulheres indígenas, seus numerosos filhos, sempre em contato com a incontável parentela delas. A sobrevivência era garantida pelos indígenas, de forma quase idêntica à deles mesmos. Viabilizara-se, porém, uma atividade altamente nociva, a economia mercantil, capaz de operar como agência civilizatória pela intermediação do escambo, trocando artigos europeus pelas mercadorias da terra.

O primeiro e principal desses núcleos é o paulista, assentado muito precocemente na costa, talvez até antes da chegada de Cabral. Centrava ao redor de João Ramalho e de seu companheiro Antônio Rodrigues. Parece especializar-se tanto no resgate de índios cativos para vender às naus que o ancoradouro dos navios com que eles traficavam passou a ser conhecido como Porto dos Escravos.
Outro núcleo pioneiro, de importância essencial, foi o de Diogo Álvares, Caramuru, pai heráldico dos baianos. Ele se fixou, em 1510, na Bahia, também cercado de numerosa família indígena. Conseguiu manter certo equilíbrio entre a indiada com que convivia cunhadalmente e os lusitanos que foram chegando. Converteu-se, assim, na base essencial da instalação lusitana na Bahia. Ajudou até mesmo os jesuítas e legou bens a eles em seu testamento.
Um terceiro núcleo de importância relevante foi o de Pernambuco, em que vários portugueses, associados com os índios Tabajara, produziram quantidade de mamelucos. Inclusive o célebre Jerônimo de Albuquerque, grande capitão de guerra na luta da conquista do Maranhão ocupado pelos franceses.
No próprio Maranhão, há notícia de um guerreiro que sobreviveu de uma expedição fracassada graças às suas habilidades artesanais, de nome Peró, que teria gerado também quantidade de mamelucos, que representaram papel muito ativo na colonização daquela área.

Os franceses, por igual, fundaram seus criatórios com base no cunhadismo. Tantos, que, no dizer de Capistrano de Abreu, por muito tempo não se soube se o Brasil seria português ou francês, tal a força de sua presença e o poder de sua influência junto aos indígenas. O principal deles foi o que implantou na Guanabara, junto aos Tamoio do Rio de Janeiro, gerando mais de mil mamelucos que viviam ao longo dos rios que deságuam na baía. Inclusive na ilha do Governador, onde deveria se implantar a França Antártica.
Outros mamelucos gerados pelos franceses foram com os Potiguara, na Paraíba, e com os Caeté, em Pernambuco. Alcançaram certa prosperidade pelas mercadorias que eles induziram os indígenas a produzir e carrear para numerosos navios. Sua mercadoria era, principalmente, o pau-de-tinta, mas também barganhavam a pimenta da terra, o algodão, além de curiosidades como os soíns e papagaios.

Os espanhóis também participaram da fase cunhadística da implantação européia na costa brasileira. As crônicas falam de um Pero Galego, castelhano, intérprete dos Potiguara, que vivia com os beiços furados como eles. Sua influência teria sido grande, como se vê pelo papel que representou na expulsão dos portugueses da Paraíba e, depois, nas lutas do Maranhão, sempre ao lado dos franceses.

Para preservar seus interesses, ameaçados pelo cunhadismo generalizado, a Coroa portuguesa pôs em execução, em 1532, o regime das donatarias. O projeto real era enfrentar seus competidores povoando o Brasil através da transladação forçada de degredados. Na carta de doação e foral concedida a Duarte Coelho (1534), se lê que el-rei atendendo a muitos vassalos e à conveniência de povoar o Brasil, há por bem declarar couto e homizio para todos os criminosos que nele queiram morar, ainda que condenados por sentença, até em pena de morte, excetuando-se somente os crimes de heresia, traição, sodomia e moeda falsa (in Malheiro Dias, 1924:III, 309-12).
As donatarias, distribuídas a grandes senhores, agregados ao trono e com fortunas próprias para colonizá-las, constituíram verdadeiras províncias. Eram imensos quinhões com dezenas de léguas encrestadas sobre o mar  penetrando terra adentro até onde topassem com a linha das Tordesilhas. 

Fonte:  O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil / Darcy Ribeiro, 1922-1997. - São Paulo: Companhia das Letras, 1995


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