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As Balsas
Balsas
Balsa - Ilustração de Percy Lau
Em todo o interior do Brasil, particularmente nos grandes rios navegáveis que banham regiões ainda muito despovoadas - não excluídos mesmo os maiores cursos d'água, como o Amazonas, o São Francisco, o Paraná e o Paraguai - um dos meios de transporte mais cômodos, econômicos e seguros, é sem dúvida, o que se realiza pelas balsas.
Sobretudo no rio Parnaíba, que desliza entre os territórios do Maranhão e Piauí, são as balsas uma curiosidade das margens desse rio e, acima de tudo, prestante meio de transporte, usado e utilizado desde os primórdios da ocupação humana da região, no primeiro quartel do século XVII.

No seu aspecto mais primitivo, as balsas nada mais são do que jangadas de maior porte, empregadas, máxime, na condução de passageiros para a descida dos rios e, também, para o transporte de mercadorias.
Diferem, entretanto, das jangadas, não somente pelas dimensões, mas outrossim, pela circunstância de possuírem estrado, flutuando a cerca de meio metro ou mesmo um metro, da superfície líquida, ao contrário do que acontece com as jangadas mais comuns.
Assim como sofreram, estas, certas variações quanto à forma e quanto aos meios de propulsão, assim, também, passaram e vêm passando as balsas por modificações, mais ou menos sensíveis, em muitos de seus primitivos aspectos.

As balsas sintetizam, geograficamente, uma forma de colaboração entre o homem e a natureza. Refletem no aspecto, na segurança para os fins a que se destinam e no modo por que são impulsionadas, também o grau de civilização.
E, sem dúvida, as tradições culturais conservadas, através dos tempos, pelos que hoje ainda a utilizam como meio de transporte, em regiões do interior longínquo, banhado por cursos d'água mais ou menos extensos e caudalosos.

Na região típica das balsas primitivas, ou seja, a servida pelo Parnaíba e seus afluentes, onde ao sul da mesma, superabundam as palmeiras buritis (Mauritia vinifera, MART.) , a construção de uma delas se realiza mediante um contrato, por assim dizer, tácito, entre a natureza e o homem, aquela fornecendo o material de construção e este o seu esforço e a sua técnica na feitura da balsa.
No caso em vista, o material é constituído por grandes feixes de folhas e pecíolos de buriti e, ainda, por quantidade de cipós resistentes, utilizados à guisa de cordas.
Leves e de comprimento variável, de 2 a 4 metros, como se encontram na parte norte-ocidental da Bahia, ou de 11 metros, como existem na região piauiense, mais ao norte, as folhas do buriti, quando têm pecíolos revestidos de casca, são, com efeito, resistentes e podem ficar imunes do encharcamento pela água, durante vários dias.

Devidamente secos, possuem os pecíolos magnífica flutuação e, nestas condições, representam, pois, material de primeiríssima ordem para a construção de uma dessas primitivas e pitorescas embarcações do Brasil interior. No fundo, estas só podem ter, necessariarnente, a vida efêmera, por isso que apenas resolvem, de fato, problemas ocasionais de locomoção, surgidos de chofre, muitas vezes, e num meio atrasado, escassamente povoado, tendo, além disso, por característica principal notável pauperismo econômico. Dessa maneira, explica-se o largo aproveitamento das balsas nas regiões interiores ainda desprovidas de vias e meios de transporte, mais acordes com o desenvolvimento atual da civilização, que sob o ponto de vista da circulação mede o valor das distâncias pelo fator tempo empregado em percorrê-las.

Unidos os grandes feixes de folhas e pecíolos do buriti por meio de cipós, colocados em filas, forma-se, com o conjunto, um assoalho compacto e reforçado de varas possantes.
Tem-se, desse modo, o fundo da balsa, sobre o qual pode erguer-se uma cobertura feita de palha, ainda de buriti, e da altura aproximada de um homem em pé conforme o rio a navegar.

Quando o apuro da construção é maior, amarram-se os buritis, isto é, os pecíolos, às vezes em quatro grandes rolos, "atracados depois, entre si, - como descreveu o engenheiro GILVANDRO SIMAS PEREIRA, do CNG, - por travessas superiores e inferiores, no sentido transversal e unidas nas extremidades, as de cima com as de baixo, por meio de cipós, que é a corda usada em todas as amarrações da balsa".

Todo esse serviço preliminar da feitura do lastro é feito em terra, ao fim do qual é, então, o lastro atirado n'água para os indispensáveis trabalhos complementames do acabamento. Estes variam segundo as possibilidades de tempo, conforme os recursos culturais e financeiros dos construtores e de acordo com a maior ou menor experiência dos mesmos na parte dessa construção naval indígena.

Aliás, convém frisar: as balsas hoje geralmente usadas quase são uma cópia fiel das "itapabas" ou balsas dos Paumaris do rio Purus, na Amazônia.

A largura, o comprimento e a capacidade das balsas de buriti variam extraordinariamente, existindo tanto as de 11 metros de comprimento, com 5 metros de largura e capacidade para 2 toneladas, quanto as de maior extensão, porém de largura menor e, ao mesmo tempo, maior capacidade quanto ao peso que podem receber e transportar.
Se estas últimas chegam a possuir a capacidade de até 7 toneladas, isso se explica pelo fato de se formar, na construção, compacta massa dos feixes de pecíolos de buriti capaz de resistir às cargas de maior peso.

A que foi construída pelo pessoal técnico do CNG, para o regresso de sua excursão científica à região do Jalapão, tinha, por exemplo, 12 metros de comprimento por 2,5 de largura, sendo a altura de um metro, aproximadamente.
Sua construção exigiu 7200 pecíolos de buritis, ou seja 60 feixes de 120 pecíolos cada um. Cada feixe, denominado localmente - balsa - nos altos cursos dos rios Sapão e Preto, na Bahia.

No médio Tocantins também existem balsas, porém, pequenas. Como sucede com as demais, descem o rio de "bubuia", isto é, ao sabor da correnteza, mas sob o controle dos balseiros. E assim como no Piauí ou na Bahia ocidental, a balsa do Tocantins é também construída com talos da palmeira buriti, dispostos em camadas superpostas, a fim de constituírem o respectivo estrado flutuante.

Entre os Paumaris - indígenas ictiófagos das lagoas do Alto Purus - a construção das "itapabas" era, efetivamente, quase igual à das balsas do Parnaíba. Consistia na reunião de grandes troncos, numa direção, e na junção de outros superiores, perpendicularmente aos primeiros, sendo o conjunto resultante, atracado com cipós. Sobre o estrado, assim construído, edificavam a sua maloca, ou casa, um tanto semelhante às de Guaiaquil, no Equador, tendo, porém, a cobertura de palha da forma comum às das nossas do interior campestre.

Não dispondo de velas, eram impulsionadas por varas . O material empregado na construção não era, naturalmente, o buriti, mas sim, a aninga ou embaúba, o mutati, o molongó, a seringueira, a ucuuba, a sumaúma e outras madeiras.

No Parnaíba e seus afluentes, as balsas - quando feitas para viagens mais ou menos longas - encerram, também, como as dos Paumaris, uma choça na tolda. Choça bastante confortável dentro da relatividade ambiente. Aí se abrigam das chuvas e do sol, o proprietário e demais viajantes, bem assim, a carga quando existe.
Geralmente, o carregamento ocupa quase todo o interior da casa de palha, havendo exemplos de se encontrarem balsas com a referida choça cobrindo a embarcação na totalidade.

Consiste o carregamento em fardos de algodão, montes de canas-de-açúcar, rolos de tabaco, sacos de arroz, feijão etc., pilhas de couro seco, peles, charques, maniçoba, aguardente, farinha de mandioca, rapadura, penas de em a, fibras várias e até cal.

Quando uma balsa reveste o aspecto anteriormente descrito, sendo uma verdadeira casa flutuante e, ao mesmo tempo, meio de transporte e oficina de trabalho, então, é possível ver-se toda a família do proprietário vivendo na embarcação, de mistura com periquitos, galinhas, porcos e araras ou arapongas engaioladas.

Numa bem feita descrição de viagem, realizada numa dessas embarcações típicas do Parnaíba, MÁRIO BALDI focalizou a vida a bordo, numa reportagem, que pode ser aqui sintetizada do seguinte modo: de dia, mulheres cozinhando, lavando, amamentando os filhos, remendando as roupas; crianças brincando com os bichos; a balsa descendo pacificamente o rio, navegando de "bubuia" ... À noite, as redes esticadas para se dormir, as mulheres deitando-se mais cedo; os homens conversando ou fazendo "música", perto ou junto da cozinha, construída sobre três pedras toscas, à boca do estrado. Ao romper do dia, o recomeço da atividade, com café bem quente e um singular banho, no rio ... Nas margens, as praias imersas no escuro dos babaçuais. Nas clareiras - de quando em vez - alguma fazenda, um certo rancho solitário, quando não, uma ou outra vila
ou pequeno povoado, surgindo espaçadamente, ao descer a balsa, levada pela correnteza. E no céu, finalmente, um contraste bem expressivo: um avião cortando os ares ...

Todavia nos rios de margens ainda mais despovoadas, as do Preto e Sapão, por exemplo, a caça e a pesca constituem o indispensável passatempo durante o dia. As aves cruzam a corrente líquida... Assiste-se, então, a um desfilar de tucanos, mergulhões, garças brancas ou cinzentas, de permeio com papagaios e periquitos. E constantemente, por seu turno, jacarés emergem como que caçando balas ...

Já no médio Tocantins, há porém, balsas cobertas com teto de couro e carregando somente couros. São, assim, o veículo de que se vale uma região, ainda de criação de gado, para exportar os seus produtos de primeira grandeza.

No rio Doce, contudo, acentuam-se divergências. Já numa região distante de sua zona principal e muito diferente quanto à sua estruturação física e econômica, as balsas servem mais a passageiros e são constituídas, quase sempre, por um tablado de madeira da região, assente sobre três canoas, geralmente cercado por uma espécie de gradil, também de madeira. É, sem dúvida, uma evolução da balsa típica, da mesma maneira que o são, as grandes balsas para o transporte de bois na zona do pantanal mato-grossense. Aliás, as balsas de madeira, impulsionadas a varas, ou não, e seguindo cabos de arame, fixados em cada margem de um rio, são muito empregadas nas travessias dos cursos d'água em todo o interior do país. São balsas-de-travessia e, por isso, aqui, são apenas, mencionadas. Fartamente usadas no Sul e no Oeste, como no rio Camaquã, no Rio Grande do Sul, no rio Itajaí, em Santa Catarina e no rio Paraíba do Sul, no estado do Rio de Janeiro, tais embarcações não se enquadram na classe das que sempre navegam de "bubuia" e são de construção efêmera e muito primitiva.

Nas balsas propriamente ditas, a direção é dada durante a viagem por meio de compridas varas, manejadas por dois ou mais homens, colocados, um à proa e outro à popa, sendo este o piloto da embarcação. Outras vezes utilizam-se os remos a pás para guiar a balsa nas curvas e para afastar os troncos de madeira que, com as pedras, dificultam e tornam a viagem perigosa.

Entre Floriano e Teresina - por exemplo - assim se viajava havia pouco tempo. A viagem durava quatro dias e os viajantes comiam, bebiam e dormiam a bordo.
Todos esses aspectos das viagens em balsas pelo interior do sertão, hoje vão desaparecendo, pouco a pouco, graças ao desenvolvimento mais ou menos rápido de certas regiões e de certas zonas, como a que proximamente envolve a florescente capital do Piauí. A civilização vai impondo os seus recursos em benefício de maior conforto e bem-estar dos cidadãos. Mas, em compensação, perdem as referidas regiões e zonas um pouco de seu pitoresco. Por outro lado, até que apareçam outros, deixam de constituir horizontes de trabalho para um grupo mais ou menos numeroso, porém disperso, de pessoas radicadas a um gênero de vida peculiar, em função dos rios.

Embarcações provisórias - por definição - as balsas, sobretudo as primitivas, do interior do buriti, após haverem cumprido a missão de veículo transportador, costumam ser vendidas, ao termo de cada viagem, aos moradores locais, que lhe aproveitam, então, o material para a construção de suas casas e tapumes.
Prestam, assim, mais um trabalho complementar fornecendo, agora, material de construção às regiões ou zonas onde eles escasseiam ou não existem, como sucede em Colônia ou suas cercanias, no estado do Piauí, ou em toda a zona norte-ocidental da Bahia.

Os que acompanharam a embarcação, como trabalhadores e proprietários, regressam aos seus respectivos lugares de residência, por terra, geralmente a cavalo.
As balsas, no Maranhão, são tão comuns, que um de seus rios, o rio das Balsas - recebeu o nome devido à flotilha dessas embarcações, que comumente trafegam em suas águas, sobretudo, na época das chuvas, quando a navegação se torna mais fácil, visto se acharem bem cobertas as cachoeiras.

Segundo rezam as crônicas, foi VASCO DIOGO, quem primeiro navegou o referido rio, nele embarcando uma carga de couros, para isso usando uma série de balsas adrede preparadas.
E foi também numa balsa - segundo ABREU LIMA - que o célebre padre ROMA, da revolução pernambucana de 1817, se transferiu de Alagoas para a Bahia, onde foi preso, ao saltar na Barra.
Assim, sob qualquer aspecto em que possa ser tomada, a balsa está estreitamente vinculada à história da luta do homem contra um meio despovoado, inculto, porém dadivoso.
E antes de ser reflexo de um nível de baixa cultura e de pauperismo econômico, é um expressivo exemplo do homem como agente geográfico que luta por si mesmo com sua experiência, com sua vontade e engenho, contra o obstáculo da distância. Contribui, dessa maneira, para modificar, ainda mais rapidamente, a paisagem natural onde vive muito mais como ator do que como simples espectador.

Veja também:
Canoeiros de Rios Encachoeirados (Norte)
Barqueiros do São Francisco (Nordeste)
Jangadeiros (Nordeste)


Fonte : Balsas / José Veríssimo da Costa Pereira in Tipos e Aspectos do Brasil. - Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica / Instituto Brasileiro de Geografia / Fundação IBGE. - Rio de Janeiro, 1970


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