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O gênero de vida
peculiar do "muxuango" é completado por variada e expressiva atividade
industrial rudimentar. Assim, tanto fabrica a farinha de mandioca,
quando aproveita o barro existente instalando olarias primitivas; tanto
se dedica à indústria elementar de cestas, quanto se entrega ao preparo
do peixe seco, salgado. O aspecto complementar do gênero de vida do
"muxuango'' completa-se, finalmente, com a criação, que se realiza, em
pequena escala, nos sítios dispersos pela planície das restingas.
Tirando proveito das possibilidades que o meio natural lhe oferece, o "muxuango" consegue levar até às feiras típicas, locais, os diferentes produtos recolhidos de suas modestas propriedades. É o que sucede particularmente em Gargaú, localidade situada a noroeste de Atafona, a uns dez quilômetros desta vila pertencente ao município de São João da Barra . Com seu espírito de arguto observador, Lamego deu-nos em 1934, uma expressiva descrição da feira muxuanga de Gargaú. E escreveu: "A feira de Gargaú é um mostruário semanalmente aberto, uma completa exibição do seu labor. A afamada farinha é o principal produto. Mas também compra-se, vende-se e "breganha-se", do robalo fresco à tainha seca, animais de sela e corte, gamelas e gaiolas, sabiás-da-praia e papagaios, redes, juquiás, puçás, cestas, tipitis, jacás, arupemas e panelas de barro, esteiras e samburás, cordas e artefatos de couro". Com seu estilo próprio o escritor transmite-nos o colorido especial que o "muxuango" imprime ao quadro da feira de Gargaú: "Por ali vaga o "muxuango" endomingado, num ambiente todo seu. Chega ao trote duro das "pulitanas" ou nas mesas dos carros de boi, arrastados horas a fio pelos areais. Vem de longe. Traja terno riscado e camisa de zefir. Colarinho, é luxo. Mesmo os de mais posse têm o andar sempre cansado de quem passou a vida arrastando perneiras, marchando sobre areias, clapotando em atoladiços". No Dicionário da Terra e da Gente do Brasil, (4.a edição, vol. 164, série 5.a da Biblioteca Brasileira, Comp. Editora Nacional, São Paulo, 1939, p. 283) Bernardino José de Souza define "muxuango" como sinônimo de "caipira", "tabaréu", "mucuto" etc., usado sobretudo na zona de Campos dos Goitacazes. E acrescenta que Valdomiro Silveira, com este título, publicou um livro de contos editado pela Livraria José Olímpio, Rio de Janeiro. Realmente o ar tímido e arisco do "muxuango" é o de um caipira do interior do país. Lamego procura explicar que o "muxuango", "homem da costa largado a si numa terra improdutiva, a braços com o brejo, com a areia e com a vegetação raquítica, maranhosa e espinescente, esmorece numa luta estéril. Dia a dia, ano a ano, século a século involui. O espírito empaúla-se numa letargia de aborígene. A ambição desaparece. Diluem-se as idéias. Decresce a iniciativa. Cessa a combatividade. O ariano civilizado volta à selvajaria, acaipirando--se. É um vencido. A terra subjugou o homem. A impassibilidade topográfica como que produz a impassibilidade humana. Aumenta-lhe a apatia a escassez de vitaminas na alimentação de paçoca, carne seca e peixe salgado. A face pálida e inexpressiva do "muxuango", cor das areias, revela a verminose, o paludismo e a anquílostomíase". O "muxuango" é um tipo exclusivamente branco. Em geral é magro e de estatura variável. Os olhos são freqüentemente verdes ou azulados. Os lábios são finos e o nariz quase sempre reto. Lamego os considera como sendo dolicocéfalos, e neles verificou a abundância do tipo louro. A explicação da existência desse curioso tipo étnico, disperso pelas terras baixas, costeiras, do chamado norte fluminense, não seria fácil. O assunto caberia ser elucidado por especialistas outros que não geógrafos. Embora a família "muxuanga" seja muito prolífera, nem por isso a casa que ela ocupa é suficientemente ampla. Pelo contrário. A habitação é sempre pequena, baixa e de compartimentos acanhadíssimos. Quase sempre a casa é de cor branca e, muitas vezes, isoladas na solidão dos areais. A cobertura de telhas ou de tabuinhas prevalece, entretanto, nos sítios dos "muxuangos" mais ricos, onde a engenhoca pode aparecer para imprimir algum dinamismo à monotonia frequente das paragens em derredor. Todavia, nas encruzilhadas dos caminhos, as casas costumam juntar-se e, nesse caso, duas ou três, ou três ou quatro podem marcar a extensão da aglomeração "muxuanga", de resto sempre animada pela criançada loura de olhos claros e azulados. O desenho, de Percy Lau, procura apresentar, baseado em fotografias, um aspecto da feira muxuanga de Gargaú. Segundo a informação oral do geógrafo Lúcio de Castro Soares, o povoado de Ponta Grossa dos Fidalgos, à margem norte da lagoa Feia, representa bem o tipo da aglomeração urbana muxuanga. Aí os habitantes vivem sobretudo da pesca do robalo e praticam unicamente uma agricultura de subsistência. Alguns se dedicam à criação em pequena escala. |
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