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Onde
quer que apareça, o ouro, com efeito, atrai logo homens às centenas e,
como corolário do espírito de aventura próprio dos "faiscadores",
surgem imediatamente, como por encanto, às margens dos córregos
auríferos ou na meia-encosta dos vales, pequenos núcleos humanos
caracterizados, quase sempre, pela precariedade, pela instabilidade das
instalações e também por uma vida realmente efêmera.
Distribuídos dispersamente segundo a maior ou menor riqueza dos rios auríferos, esses núcleos de população lembram, por suas características, as "corrutelas" dos garimpeiros, outro tipo de trabalhadores que atuam longe na faixa pioneira da mineração rudimentar, mas extraindo diamante, com os quais se não confundem os "faiscadores" propriamente ditos. Não obstante os esforços oficiais já empregados no sentido de regular a atividade da "faiscação" e da "garimpagem", bem como no interesse de definir corretamente ambas as atividades, em muitos trechos do interior ainda prevalece uma terminologia confusa, segundo a qual "faiscação" é a mesma coisa que "garimpagem", "faisqueira" tem o mesmo sentido que "garimpo" e, finalmente, "faiscador" é sinônimo de "garimpeiro" ... A distinção, assim, das respectivas profissões torna-se extraordinariamente difícil e, nesta emergência, os "faiscadores", sobretudo nos pontos mais afastados, continuam a levar a sua tradicional vida de improvisos e aventuras, rica de características arraigadas, sobremaneira, no âmago de nossa história do povoamento. O horizonte de trabalho dos que vivem uma tal vida de especialização é, no fundo, um presente da atividade erosiva que, atacando durante anos seguidos os quartzitos auríferos e diamantíferos do planalto brasileiro, acabou por espalhar na superfície, depósitos de ouro e diamantes, tanto na forma de grupiaras, quanto na de areias e cascalhos, carregando-os também para o leito dos cursos d'água. E se a mineração de ouro no Brasil foi o fruto da atividade bandeirante que, em meados do século XVIII chegou ao seu apogeu, então, à descoberta do ouro de aluvião no sul da serra do Espinhaço, em Minas Gerais, durante: os últimos anos do século XVII, deve-se o milagre da transformação dos primitivos bandeirantes em caçadores de metal precioso e pedrarias, muitas vezes revestidos do tipo daquele que Bilac celebrizou em imortal poema. Nesse sentido, como diria Peschel para toda a América, foi o ouro ou a ilusão do ouro que, se não povoou de todo o interior brasileiro, fê-lo, pelo menos, em inúmeras de suas extensões. A mineração chegou mesmo a criar, como se sabe, fisionomia especial para as regiões centrais de Minas Gerais e Bahia, havendo fora desse ambiente apenas alguns núcleos de importância relativamente pequena, no sul de Goiás e Mato Grosso, no Brasil Centro-Oeste e no Ceará, já no Brasil Nordeste. Fator decisivo na conquista do nosso interior, o ouro sempre esteve ligado assim à história do Brasil, desde o momento em que constituiu a preocupação inicial dos colonizadores até a internação dos bandeirantes; desde o povoamento rápido dos sertões distantes até a chegada, às minas, das levas de trabalhadores negros africanos; desde a abertura das estradas de São Paulo e Rio para Minas Gerais - de que foi a causa - até o povoamento posterior do vale do Paraíba, com a consequente abertura do nosso ciclo econômico do café, salvando populações inteiras dos efeitos imprevistos da decadência das minas. Ainda hoje o ouro é responsável pela dispersão, no país, de cerca de 50 mil homens, vivendo do trabalho dessa mineração rudimentar das areias e cascalhos auríferos, segundo normas e regime de ocupação perfeitamente distintos daquelas que se verificam, de ordinário, nas zonas mais adiantadas da mineração industrial. Em geral, em seu trabalho anônimo, árduo e penoso, o "faiscador" labuta o dia inteiro sob um sol inclemente, com fibra de lutador intimorato e incansável na conquista cada vez mais difícil do próprio pão de cada dia. Aos primeiros raios de sol, na faina diária, já se encontra forte, bem disposto, com a sua cor bronzeada e seu enorme chapéu de palha" bateia em punho, partindo em busca das "faisqueiras", onde lavará os cascalhos, encherá a bate ia de areia e pedregulho miúdo para obter, possivelmente, o ouro, após um batear incessante, nu da cintura para cima, indiferente aos raios causticantes do sol e imune à baixa temperatura das águas. A apuração do ouro, aliás, não é fácil tarefa e, quase sempre, é agravada pela presença de minerais de ferro de densidade elevada. Como o objetivo principal na extração do ouro de aluvião consiste em obter um concentrado tão rico quanto possível, torna-se evidente a precariedade do trabalho de reconcentração por intermédio da bateia, pois que, permitindo estas perdas inevitáveis e consideráveis baixas no rendimento da extração, sobretudo, o problema da vida na região das "faisqueiras" acaba por se agravar nos locais onde existam minerais pesados e areias pretas, onde mesmo instalações mecânicas não conseguem real eficiência quanto ao rendimento de ouro. Sem atender a considerações de ordem técnica, mas apenas a uma ligeira informação acerca dos aparelhos e dispositivos usados pelos "faiscadores", a fim de extraírem o ouro de aluvião, pode-se dizer que nos depósitos aluvionários do Brasil, principalmente nos que se caracterizam pela presença dos referidos minerais pesados e areias pretas, como sucede perto de General Carneiro, em Minas Gerais, ou ainda nesse estado, nas aluviões de Santa Bárbara, muito poucas instalações conseguem efetivamente grandes resultados práticos, como é possível esclarecer-se lendo o trabalho de Djalma Guimarães, intitulado "Informações sobre Aparelhos e Dispositivos para Extração de Ouro de Aluvião", 3.a edição, 1942, avulso 51, Divisão da Produção Mineral, Rio de Janeiro. De resto, o problema não é fácil, por isso que, nem sempre, se apresenta o ouro do mesmo modo segundo as regiões. Tal apresentação pode ser em pepitas, em palhetas, em pó fino e mesmo em caráter misto, isto é, "parte pulverulento e parte em pepitas ou lamela", como elucidou Djalma Guimarães. No louvável intuito de orientar o "faiscador" ou prospector de pequenos recursos financeiros, a Divisão do Fomento da Produção Mineral fez estudar os tipos de instalação mais adequados à natureza das nossas aluviões, onde o ouro, como se viu antes, aparece comumente sob o caráter misto. Aliás, em suas publicações referem-se quase sempre os entendidos, à dificuldade de se instruírem tecnicamente os "faiscadores" e mesmo pequenos prospectores, preparando-os no sentido de utilizarem eficientemente certos tipos de instalação, mais evoluídos que a simples e tradicional bateia mecânica, providos, por exemplo, de células de flutuação para a recuperação de ouro finíssimo. Nestas circunstâncias é natural que os "faiscadores" continuem a usar as tradicionais caixas rudimentares de lavagem de aluvião aurífera, - como se vê na gravura -, difundidas por todo o país, particularmente na região nordestina, em Piancó, por exemplo, ou em certas zonas da Baixada Maranhense. Antigamente - segundo Augusto de Lima Júnior - os "faiscadores" para concentrarem o ouro muito fino, depois de terem retirado da bateia o material mais grosso, deixavam apenas a lama, onde sobrenadava o ouro em pó finíssimo. Ajuntavam, então, água contendo suco de folhas de maracujá-açu, jurubeba, erva--de-santana ou matapasto, que faziam o ouro precipitar-se imediatamente no fundo na bateia. Para esse fim, acrescentou Richard Burton, usavam aguardente bruta ou suco de pita ou ainda uma infusão de plantas chamadas capoeira ou itambamba. Para a explotação de maior vulto é comum o "faiscador" juntar-se a alguns companheiros, utilizando a "canoa", que é uma herança dos tempos coloniais. Consiste numa escavação em forma de canal, que conduz a água até um fosso retangular de 1 metro a 1,5 metro de comprimento por 0,50 centímetros ou 0,60 de largura. O fundo é inclinado no sentido da correnteza, terminando numa bica. Debaixo desta é colocado um couro curtido com os pêlos voltados para cima, contra o sentido da água ou então, baeta, espécie de pano grosseiro, a fim de reter o ouro. Lançado o cascalho ou a areia aurífera na entrada ou cabeceira solta-se a água contida no pequeno reservatório e com pares de forquilha ou almocrafe remexe-se o material a ser lavado. Os detritos e impurezas são assim postos fora da canoa, levados pela força da correnteza. O ouro mais pesado permanece agarrado aos pêlos do couro ou à baeta, os quais, de vez em quando, são retirados e lavados em água limpa, colhendo-se o ouro. Outro processo é o "bolinete", cujo método de trabalho é o mesmo da "canoa", sendo este aperfeiçoado com grossas tábuas e aproveitadas as quedas d'água para lavagem. Entretanto, os faiscadores não se limitam a explotar apenas o leito dos rios para a retirada fácil do ouro de lavagem. Também os tabuleiros e grupiaras são revolvidos na ânsia de descobrir cada vez mais ouro. Depois de retirada a camada superior de terra, o cascalho é, às vezes, transportado nos "carumbés" até as "canoas", "bolinetes" ou "tanques de lavagem", para onde a água é levada em regos, através de grandes distâncias pelos flancos das montanhas. Mais comum, entretanto, para a explotação das grupiaras, é a abertura das "catas", que sem técnica e desordenadamente são cavadas ao redor do lugar onde se descobriu a primeira palheta de ouro. Geralmente, são retangulares, mas há também catas quadradas e Circulares. O desmonte da "massa rica" (camada de rocha aurífera) é feito a picareta, enxada e alavanca. Da cata, a "massa" é levada em carro de boi, em sacos de aniagem, ou nos carumbés, para um córrego, onde o ouro é lavado e apurado pelos processos de "canoa" e "bica". Esgotada a "cata" os mineradores abandonam o local deixando, após si, uma esteira de montes intermináveis de cascalho, que dão à região aspecto melancólico de aridez. A faiscação não constitui tipo de mineração particular. Nos lugares em que se torna única fonte de receita, quer seja nas zonas de mineração dos fios Oiapoque, Caciporé, Gurupi, Maracaçumé, quer dos rios da Bahia e Minas Gerais: Itapirucu, de Contas, Jequitinhonha, das Velhas ou Paraopeba, condiciona sempre um regime social e um gênero de vida peculiar. Os faiscadores pela dificuldade de serviço, raramente trabalham sós. Associam-se a companheiros ou, então, são financiados por alguém que possa arrostar com as despesas. Quando as minas são de propriedade particular eles pagam determinada quantia por mês para terem o direito de explotá-las. Este arrendamento é pago adiantadamente pelo comprador do ouro que fornece ao faiscador, seu freguês de venda, um cartão, que lhe permite trabalhar sob sua responsabilidade onde quiser. Em alguns lugares, como Paracatu (Minas Gerais), dentro do perímetro da municipalidade, a Prefeitura nada cobra aos faiscadores, trabalhando estes independentemente. Como acontece com o garimpeiro, o faiscador é, com freqüência, auxiliado pela mulher, que corajosamente arrosta todas as dificuldades, e até mesmo pelos filhos. Ê um regime de trabalho de que todos podem participar. Esta facilidade de arranjar trabalho traz, como conseqüência, o abandono da lavoura. Estabelece-se uma corrente do campo para as minas, onde a possibilidade de ganhar dinheiro e de levar uma vida cheia de imprevistos, exerce atração irresistível sobre os homens ambiciosos e de espírito aventureiro. Deste modo, até mesmo os gêneros de primeira necessidade têm de ser trazidos de longe para o consumo da região mineira. O "faiscador", na sua extrema mobilidade, sem a mínima preocupação de conforto, estabelece à margem dos córregos auríferos, ou nas proximidades das grupiaras, pequenos povoados, em que as habitações construídas desordenadamente não são mais do que miseráveis palhoças de pau-a-pique, cobertas de palha. Tais povoados têm, muitas vezes, vida efêmera. Enquanto existe ouro a atividade é intensa, mas desde que comece a escassear, os faiscadores vão abandonando, pouco a pouco, o povoado, em pouco tempo transformado em ruína. Com frequência, porém, os primitivos núcleos mineiros, quando situados favoravelmente, crescem e progridem, observando maior regularidade na disposição das casas, maior conforto na sua construção e, o que é muito importante, desenvolvendo intensa atividade comercial. "Nas regiões auríferas estabelecem-se organizações comerciais poderosas com base na capital do estado ou em cidades próximas, que por intermédio de seus agentes - os pequenos comerciantes estabelecidos nas minas - adiantam mercadorias aos faiscadores e drenam para sua sede todo o ouro produzido", escreveu o engenheiro Henrique Cáper Alves de Sousa. Algumas vezes, entretanto, o ouro é pago em moeda corrente. Em alguns lugares do interior do Brasil, como em Paracatu, ainda se aplica para a compra do ouro o processo antigo usado na época colonial, de oitavas e vinténs. Não só se conservaram os métodos de trabalho, como o próprio sistema de compras. O maior comércio do ouro é feito aos sábados, ao cair da tarde, quando os faiscadores, vendendo o seu ouro e fazendo as suas compras, enchem o povoado de vida, animação e atividade. Brasileiros de todos os rincões se irmanam no mesmo regime de trabalho e dotados de extraordinária capacidade de penetração, os faiscadores de hoje, tal como seus antepassados, os faiscadores-pioneiros do século XVIII, contribuem para o povoamento de regiões distantes e inexploradas do nosso país. |
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