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Alguns tipos indígenas do Leste e Sul

Os Otí

Na margem oposta do rio Paraná, em território paulista, vivia outra tribo também chamada Xavante: os Otí dos Campos Novos do Paranapanema, igualmente especializados na vida campestre. Eram coletores e caçadores, de hábitos muito frugais por imposição da região que ocupavam, especialmente pobre de caça. Moravam à beira dos riachos, em ranchos armados com galhos cobertos de palmas e tão pequenos que dentro deles só se podiam manter sentados.
Nunca foram numerosos; originalmente podem ter sido no máximo, quinhentos, conforme cálculo de Curt Nimuendajú, que em 1909 andou procurando remanescentes da tribo e deixou uma notícia na qual foi baseada este relato:
A região foi devassada em meados do século XIX por sertanejos deslocados de Minas Gerais. Ali descobriram extensas pastagens nativas, apropriadas para a criação, e começaram a ocupá-las com seus rebanhos. Os Otí que viviam em penúria de caça viram, como que por encanto, povoaram-se os seus campos de uma caça nova e enorme, de que uma só peça podia sustentar uma rancharia, sendo, ademais, extremamente dócil e fácil de se abatida. Puseram-se a campo para gozar daquela fartura inesperada, dando cabo, em pouco tempo, dos rebanhos introduzidos pelos criadores. Saindo de uma dieta famélica, os Otí até desenvolveram certa gula, manifestando decidida preferência pela carne de égua e pelos bezerros nonatos. Realizavam suas caçadas com toda a desenvoltura, perseguindo reses feridas até junto da morada dos vaqueiros, sem qualquer preocupação de dissimular sua presença.
Entrementes, os criadores preparavam calmamente uma batida que deveria exterminar todos os Otí. Juntaram cinquenta e sete homens bem armados e numa madrugada cercaram a principal rancharia. Foram mortos todos sem exceção de idade ou sexo, até ficarem duas ou três crianças que foram levadas como troféus vivos.
Apavorados diante do furor da chacina, os outros grupos Otí trataram de escapar, fixando-se mais longe, na orla da mata onde viviam seus inimigos Kaingâng. Mas dali continuaram caçando vacas e éguas sempre que se oferecia oportunidade, o que não era raro, porque os campos estavam cada vez mais cheios delas. Outras chacinas foram organizadas; por fim os criadores caçavam os Otí com a mesma naturalidade com que estes atacavam seus rebanhos. E foram ficando cada vez mais afeiçoados ao esporte que nenhum mal lhes causava, porque, já então, era sabido que jamais um desses indígenas havia usado suas armas para defender-se dos sertanejo, simplesmente se deixavam matar, sem esboçar qualquer reação além da fuga.

Nos fins do século XIX, quando os Otí estavam reduzidos a uns cinquenta, os criadores começaram a se dar conta das consequências de seu extermínio. Assim reduzidos, esses indígenas não puderam mais reter nas matas aos seus tradicionais inimigos, os Kaingâng, que sem essa vigilância caíram sobre os criadores, matando o gado e a eles próprios, em tais proporções que grande parte da região teve de ser evacuada. Mas os Otí continuavam sendo caçados, embora alguns deles tivessem conseguido estabelecer relações pacíficas com certos moradores.
Só tardiamente e de forma desastrosa um sertanejo tentou retirá-los da região Reuniu um magote e os levou a São Paulo a fim de pedir a proteção do governo para os indígenas e uma recompensa por seus serviços. As autoridades resolveram o problema da forma mais simples: deram alguns presentes aos indígenas e os mandaram de volta para aos campos. Decepcionado com os resultados de sua empreitada, o pacificador regressou com os indígenas. Mas a caminho, para fazer face às despesas, teve de vender algumas crianças e negociar favores das mulheres. Para rematar, os sobreviventes à viagem morreram atacados por uma epidemia à entrada dos campos.
Uns poucos Otí que não acompanharam a expedição voltaram a seus esconderijos, onde foram assaltados pelos Kaingâng. Os sobreviventes desse ataque, e das caçadas que prosseguiram nos campos, estavam reduzidos a oito em 1903: quatro crianças e quatro adultos, dos quais um só homem, que não tardou a ser espingardeado. Logo depois, as mulheres se apresentaram a um grupo de trabalhadores numa roça, dando a entender que queriam ajuda. Um deles imaginou que talvez se tratasse de uma cilada dos temidos Kaingâng; estabeleceu-se o pânico e uma indígena foi morta imediatamente à bala. Em 1908, elas foram vistas pela última vez: eram então duas mulheres apenas, sentadas ao lado da estrada, cobrindo o rosto com as mãos.

Os Guaraní

No extremo sudeste do Mato Grosso começa uma área de matas intercalada com campos e depois ganha mais densidade. É a extensão mais ocidental da floresta Atlântica com vários povos indígenas. Os Guarani tinham seu habitat nas matas que margeiam os afluentes do rio Paraná, em território hoje compreendido pelo sul do Mato Grosso, oeste de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.
Essa foi uma das regiões de maior densidade demográfica do Brasil indígena, onde os jesuítas conseguiram juntar a maior parte dos indígenas que povoaram suas célebres missões do Paraguai. Graças a uma organização econômica coletivista, elevaram estas tribos Guaraní a um nível de desenvolvimento material e de domínio de técnicas européias jamais alcançado depois. Mas constituíram, também, verdadeiros viveiros de escravos, primeiro para os bandeirantes paulistas – que, segundo cálculos talvez exagerados dos jesuítas, mataram e escravizaram mais de trezentos mil indígenas missioneiros -, depois para os fazendeiros paraguaios, que, com a expulsão da Companhia de Jesus, se apossaram das missões, tomando a terra aos indígenas e levando-os ao último grau de penúria e desespero.
Após a destruição das missões jesuíticas, uma parte das tribos Guaraní fundiu-se com a população rural do Paraguai: são os Guaraní modernos. Outra parte fugiu para as matas, voltando a viver a antiga vida de lavradores e caçadores. Estes são os Kaiwá, Guaraní primitivos, contemporâneos. Estes Guaraní se viram envolvidos pelas tropas em luta durante a Guerra do Paraguai e tiveram então, os primeiros contatos maciços com brasileiros. Cessada as hostilidades, a região foi evacuada e eles puderam continuar a levar a vida independente em suas matas.
A ocupação econômica da região começou pelos campos marginais, onde viviam outras tribos, como os Ofaié, não atingindo os Guaraní porque estavam nas matas que não interessavam aos criadores. Atrás deles, porém, vieram os extratores de erva-mate, que crescia nativa naquelas matas. Em poucos anos, toda a região era devassada, descobertos e postos em exploração os ervais e os indígenas engajados nesses trabalho.

Guarani
Mulher Guarani, remanescente das missões jesuíticas
de Jean Baptiste Debret, 1834

Nos primeiros anos do século XX os ervateiros dominavam toda a região, e começava a se tornar difícil para um grupo indígena manter-se à margem, conservando a vida tribal. Um após outro, os maiores grupos foram sendo engajados como assalariados temporários dos ervateiros acostumando-se a fazer deste trabalho a fonte de suprimentos de artigos antes desconhecidos e que haviam se tornado necessidades vitais para eles. A maioria daquelas tribos entrava em colapso pela impossibilidade de conciliar as exigências do trabalho assalariado individual com sua economia coletivista.

Desde modo, os Guaraní escapos das missões, dos paulistas e dos colonos paraguaios caem novamente na penúria e no desespero a que tantas vezes já os tinha levado o contato com a civilização.

No início do século XX ainda existiam, próximo a costa, entre alguns dos principais núcleos de população do sul do país, extensas manchas de mata virgem. Era o restava da floresta Atlântica que, ao tempo da descoberta, se estendia ao longo da costa, numa faixa de duzentos a trezentos quilômetros de largura desde o nordeste até o extremo sul do país.
Uma dessas manchas de mata indevassada estendia-se do sul da Bahia até o vale do rio Doce, ao longo da vertente oriental da serra do Mar. Era o último refúgio de várias tribos.
A oeste, a mata se prolonga em galerias, acompanhando o curso dos rios, e se torna mais rala até confluir com os cerrados do vale do São Francisco, ocupados por mineradores e criadores de gado. A leste, estende-se o litoral atlântico, de população pouco densa, nucleada principalmente na foz dos rios que descem da mata, como o Pardo, o rio das Contas, o Jequitinhonha, o Mucuri, o São Mateus e o rio Doce. Nos altos cursos destes rios, protegidos pela floresta espessa, viviam os kamakân, os Pataxô, os Maxakalí, os Botocudos, os Puri-Coroados, que falavam línguas diferentes umas das outras e também diversas dos outros idiomas indígenas do Brasil.

Os Botocudos

Eram conhecidos dos civilizados por designações genéricas como Aimoré – gente que desde o século XVI infundia terror por suas investidas contra os ocupantes da costa – ou Botocudos, porque alguns grupos usavam grandes botoques nos lóbulos das orelhas e no ábio inferior, ou, ainda, Coroados por rasparem a cabeleira em círculo, três dedos acima das orelhas, formando uma espécie de coroa. Todos eram tidos como Tapuia – palavra tupi que significa bárbaro, inimigo. Assim se juntaram sob este termo as tribos mais diversas, linguística e etnologicamente.
A penetração civilizadora começou pela parte sul, na região ocupada pelos Puri-Coroados, entre os rios Paraíba e Doce, por agricultores interessados naquelas terras para o cultivo do algodão, do fumo e para plantações pioneiras de café. Em meados do século XIX quase todos esses indígenas tinham sido subjugados e recolhidos a aldeamentos sob a direção de missionários.
Os Botocudos, muito mais numerosos, dominavam a área que vai do rio Pardo ao rio Doce e sofriam ataques partidos tanto de Minas Gerais como do Espírito Santo, devendo ainda fazer frente aos grupos indígenas empurrados pelos civilizados para as matas por eles ocupados.

Botocudo
Botocudo armados - autor desconhecido:
Viagem ao Brasil do príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied

No começo do século XIX, ao intensificar-se a penetração naquelas matas, os conflitos com os Botocudos foram tão sangrentos que o governo reeditou, em 1808, leis que, por seu barbarismo, haviam sido revogadas no século anterior, autorizando a guerra contra eles e assegurando aos que os apresassem o direito de tê-los como escravos. Ao mesmo tempo estabelecia um sistema de fortificações ao longo do rio Doce para garantir a navegação e combater os indígenas.
Padres capuchinhos foram contratados e encaminhados para Minas, Espírito Santo e Bahia, onde a tropa subjugava grupos Botocudos, a fim de se encarregar de sua civilização.
Duas dessas tentativas de catequese instalaram-se em terras concedidas oficialmente aos indígenas. Foram a de Mutum, criada para os indígenas de Etuet, pacificados por Guido Marlière, e a de São Sebastião do Ocidente, onde os missionários reuniam os remanescentes de outros bandos Botocudos. Com o abandono das missões pelos padres, os indígenas caíram sob o jugo de fazendeiros que lhes tomaram as terras, a título de compra. Em 1910 já nada restava delas, e os indígenas sobreviventes haviam sido expulsos da região.
Entre missões, fugas, chacinas e doenças os Botocudos entraram no século XX. Escondidos nas matas entregues a imigrantes europeus para a colonização, como a colônia italiana de São Mateus, no Espírito Santo, e desesperados diante do cerco que em torno deles se fechava dia a dia, lançavam-se contra os invasores, conseguindo por vezes desalojá-los, por algum tempo, de terrenos já devassados. Da parte dos italianos, esses conflitos e protestos chegaram aos jornais de Roma e do Rio de Janeiro. Por parte dos Botocudos esbulhados de suas terras onde eram caçados como bichos, apenas o protesto de suas flechas. Nessas condições é que o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foi encontrar, em 1910, os remanescentes indígenas de Minas Gerais e do Espírito Santo, reduzidos a pequenos grupos, obrigados a perambular continuamente pela mata, fugindo dos ataques civilizados.

Os Maxakalí

Os Maxakalí viviam, originalmente, entre os rios Jequitinhonha e São Mateus. Alguns grupos, desalojados pelos Botocudos chegaram até a costa (Caravelas), outros avançaram para o leste. Desde os primeiros contatos, os civilizados procuraram utilizá-los na luta contra os Botocudos. Mas estes indígenas sempre fugiram ao convívio com neobrasileiros, mantendo relativa independência, até que o número de sertanejos instalados em sua região cresceu de tal modo que não puderam mais fugir aos contatos.
Nos primeiros anos do século XX os sertanejos já haviam estabelecido um modus vivendi com os Maxakalí; obtinham deles produtos extraídos da mata, como a poaia ou mesmo mantimentos de sua roça, trocando-os pelos que lhes parecia o único meio de cativar os indígenas: latas de querosene cheias de cachaça que levavam às suas aldeias.

Maxakali
Maxalalí - Rugendas
Embora visitados muitas vezes por padres em desobriga, os Maxakalí conservaram sua própria religião, mesmo porque não lhes pediam mais que a simples e proveitosa tarefa de se deixarem batizar, aceitarem um nome cristão para tratar com os estranhos e ganhar, na ocasião, alguns presentes. (Teófilo Otoni, 1930).
kamakan
Kamakã - autor desconhecido:
Viagem ao Brasil do príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied

Os Kamakãn (kamakã, Camacãs)

No extremo norte dessa faixa de matas, entre o rio das Contas e o rio Pardo, em território baiano, sobreviveram, até o século XX, duas tribos, em guerra uma com a outra e hostilizados pelos civilizados: os Kamakãn e os Pataxó. Os primeiros ocupavam a bacia do rio Pardo e desde o século anterior vinham sofrendo ataques. A maior parte da tribo fora subjugada e compelidos a recolher-se a missões sob administração religiosa ou diretores civis, onde eram submetidos a toda sorte de explorações. No século XX alguns bandos permaneciam independentes e hostis nas matas entre o rio Cachoeira e o Grupunhy.
Os Pataxó tiveram o mesmo destino, também foram subjugados e entregues a missões que pouco depois os abandonaram à própria sorte. Alguns bandos dessa tribo conseguiram escapar às perseguições que lhes eram movidas e alcaçaram o século XX.
Contra o último reduto dos Kamakãn e Pataxó, tanto os pacificados como os hostis, se lançaria, desde a primeira metade do século XIX, uma outra fronteira de expansão agrícola: as plantações de cacau. As terras reservadas aos grupos pacificados foram rapidamente esbulhadas e os que viviam acoitados na mata se viram envolvidos em conflitos com sertanejos que a invadiam de todos os lados.
Em 1910 estes conflitos chegaram a ter repercussão na imprensa das grandes cidades. Um século de perseguições levara remanescentes dos Pataxó e dos Kamakãn a uma simplificação de seu equipamento e a uma capacidade extraordinária de se dissimularem na mata, esgueirando-se de uma região para outra, sem serem jamais notados. Todos os cuidados eram tomados pelos bandos encarregados de surpreendê-los e chaciná-los. Não falavam, não faziam fogo e nem fumavam, certos de que o fino olfato dos indígenas revelaria sua presença mesmo a grande distância.

Mas os chacinadores acabaram encontrando armas eficazes contra esses inimigos invisíveis, recorrendo a velhas técnicas coloniais como o envenenamento das aguadas, o abandono de roupas e utensílios de variolosos onde pudessem ser tomados pelos indígenas e sobretudo, minando os arredores das casas e plantações com armadilhas montadas com armas de fogo.

Os Kaingâng

Uma extensão da floresta Atlântica avaçava pelas vertentes orientais da serra do mar, acompanhando o curso dos rios que correm para o oeste, como o rio Grande, o Tietê, o Paranapanema, o Ivaí e o Iguaçu. Eram as grandes matas do vale do Paraná que cobriam grande parte do Estado de São Paulo, sul de Minas Gerais e o norte do Paraná. A maior parte dela se conservaria intocada até o século XIX, quando emergiu uma nova lavoura tropical que as poria abaixo para dar lugar a plantações que se estenderiam a perder de vista. Era a lavoura do café.
As grandes lavouras cafeeiras começaram nas matas próximas do Rio de Janeiro, alcançando o vale do Paraíba, de onde desalojaram os últimos grupos Puri-Coroados, avançando, em seguida, para São Paulo. A marcha do café se tornou uma fronteira em contínua expansão. Nos primeiros anos do século XX já alcançava as florestas que se estendiam do vale do Tietê ao vale do Paranapanema e daí ao Paraná.
No recesso das matas em São Paulo, Paraná e Santa Catarina viviam os indígenas conhecidos como Guaianá, Coroados, Bugres ou Botocudos, de língua kaingâng. Alguns deles, que habitavam a orla das matas, haviam sido subjugados pelos criadores de gado vindos do sul e sobreviviam nos capões de mata, desde os campos de Guarapuava, Ivaí e Palmas até o Rio Grande do Sul.
Os Kaingâng falam uma língua filiada à família Jê, que, como vimos, tem seus representantes principais no planalto central.
Os conflitos entre Kaingâng de São Paulo e os civilizados começaram na orla de suas matas, junto aos campos do Paranapanema, ocupados por criadores de gado. Essa região era habitada por seus tradicionais inimigos, Os Otí-Xavante, cujo extermínio deixou os campos livres às investidas Kaingâng. A penetração começou sorrateiramente e não parece ter preocupado os indígenas, tanto assim que muitas fazendas se instalaram na boca a mata, iniciando plantações de café. Uma ferrovia (Estrada de Ferro Noroeste do Brasil que ligaria Santos, no litoral paulista, a Corumbá, à margem do rio Paraguai, na fronteira com a Bolívia) fora construída através de seu território sem provocar conflitos. Trabalhadores da estrada de ferro viram, muitas vezes, os indígenas atravessarem a linha em atitude pacífica, ainda que temerosa.
Entretanto, a invasão ganhara impulso e por fim já atingira o centro das matas, na proximidade das aldeias Kaingâng. Entravam turmas numerosas; eram os engenheiros encarregados do levantamento da região para o Estado e para particulares, que requeriam glebas da mata. A princípio os indígenas apenas advertiam o invasor de seu descontentamento, fechando as picadas com galhos e cipós. Depois ocorreram atritos sem vítimas, mas os ânimos se acirraram de parte a parte. Em 1905 ocorre o primeiro ataque dos indígenas contra uma turma de um agrimensor. Outros ataques se suderam entre as estações que hoje correspondem às cidades de Lins e Araçatuba. Uma comissão de sindicância verificou que todos esses ataques resultaram em menos de quinze mortes de civilizados, em contraposição foram chacinadas aldeias inteiras de Kaingâng, reavivando o ódio e dando lugar a novas represálias.
Nesse mesmo período, a malária, a febre amarela, a úlcera de Bauru, deram cabo de mais de quinhentos trabalhadores. Entretanto, segundo as publicações da empresa ferroviáriaa interessada em ocultar tamanha mortalidade, o inimigo era o indígena; o grande obstáculo ao prosseguimento da construção e à abertura de fazendas seria a hostilidade dos Coroados.
A empresa fornecera armamento e munições à vontade para todo o pessoal, e a mata dia e noite ribombava de tiros contra indígenas invisíveis. Este era o ambiente na estrada, nas fazendas, nas pequenas vilas. Todos se sentiam ameaçados; ninguém se aventurava sozinho pela mata, certo de que estava cheia de indígenas; nunca abandonavam as armas. E vão surgindo, interessados em manter o ambiente de pavor, criadores de histórias fantásticas, que através delas compravam terras desvalorizadas pelo terror do indígena...começaram a entrever possibilidades eleitorais pelo prestigio que alcançavam após cada chacina, e, pelo própria estrada que, assim, desviava a atenção da principal causa de suas dificuldades para aliciar trabalhadores e mantê-los no serviço, que era as epidemias.
Neste ambiente de terror surgiram chefetes especializados em chacinar indígenas. Tinham o cuidado de organizar as batidas sempre nos meses de chuva, porque nessa época os indígenas raramente se afastavam da aldeia para caçadas, permitindo, assim, um extermínio mais completo.
As maiores batidas realizadas em 1908, 1909 e 1910 foram financiadas, principalmente, pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, utilizando trabalhadores da construção por ela armados e municiados e entregues à orientação dos referidos especialistas. Um desses bugreiros relatou uma batida da qual participou a uma comissão de sindicância criada em 1911 para apurar os fatos;
“...eram ao todo trinta e um homens armados de carabinas Winchester, calibre 44, doze tiros, e munição sobressalente em quantidade, além de afiados facões e outra armas brancas... os indígenas achavam-se em festa, uma cerimônia de casamento... dançavam e cantavam alegremente... Estabelecido o cerco com a necessária precaução, ficou resolvido esperar-se a madrugada para o assalto, quando os ingênuos silvícolas, extenuados, se tivessem por fim entregue a um sono profundo... Enquanto aguardavam observaram surpresos a organização, limpeza do local e cordialidade que se manteve dutante toda a festa...'Até parecia gente, senhor Tenente' rematou o relator. Pelos modos a festa prolongaria até o amanhecer e receosos de serem descobertos com as primerias claridades, resolveram fazer a primeira descarga geral...”
Há quem afirme que mais de cem vidas aí foram sacrificadas..., porém, o pessoal miúdo, dentre o qual dois ou três garantiu a frei Boaventura, de Santa Cruz, ter sido a centena excedida. Haviam feito a limpa, diziam, e alguns até autentificaram sua valentia exibindo orelhas cordadas de suas vítima!” (Relatório da Comissão de Sindicância dos conflitos ocorridos entre trabalhadores e indígenas habitantes na zona cortada pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. 1911, pgs 17 e 18. Ms. Arquivos do Serviço de Proteção aos Índios.)

(Outros Povos Indígenas em Brasil Indígena)

Fontes : Os ìndios e a Civilização / Darcy Ribeiro. - São Paulo: Círculo do Livro, s. data
Brasil Indígena: 500 anos de resistência / Benedito Prezia, Eduardo Hoomaert. - São Paulo : FTD, 2000


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