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Lord Beckford, muitas
vezes citado, tem uma tirada, que bem define
as deliciosas modinhas, tão em voga na sisuda
Lisboa do tempo
de Dona Maria I: “Aqueles que nunca ouviram falar desse gênero de
música – diz ele – ignoram as mais feiticeiras melodias, que já
existiram desde os dias dos sibaritas. Elas consistem em lânguidos
compassos interrompidos, como se a respiração faltasse, devido
ao excesso de enlevo, e a alma estivesse ansiosa por encontrar a alma
irmã
de algum objeto amado. Com um descuido infantil, elas se insinuam no
coração,
antes que ele tenha tempo de armar-se contra a sua enervante
influência:
imaginamos estar ingerindo leite, e estamos admitindo o veneno da
volúpia
no mais íntimo recesso de nossa existência”.
Eu tenho uma nhanhazinha exemplificam esse
clima erótico das velhas modinhas, que a melodia
dengosa, vagamente sentimental, ainda mais acentuava.
Modinha é um diminutivo de moda, tipo mais antigo da canção portuguesa, cuja denominação coexiste, no Brasil, com aquela: moda de viola, moda paulista, etc... Está na índole da língua e na tradição dos compositores esse emprego do diminutivo; o mesmo ocorre com fado e fadinho, polca e polquinha, tango e tanguinho, choro e chorinho, etc... A diversificação entre moda e modinha ocorreu em Portugal no séc. XVIII, logo seguida por uma outra distinção perfeitamente definida: a modinha portuguesa e a modinha brasileira. A esta dizem respeito as restrições moralistas acima referido. Apesar disso, eram cantadas nos melhores salões de Lisboa; e os escritores que observaram a música portuguesa do tempo, sempre destacaram a modinha brasileira, pela qual manifestam preferência. A comparação entre os documentos existentes hoje em dia prova cabalmente essa distinção entre os dois tipos de modinhas. E mesmo no Brasil foram freqüentemente cantadas as modinhas portuguesas, de linha melódica mais singela, estabilidade tonal e modal maior, isto é, privadas daquilo que fazia o encanto das brasileiras e que já era um traço inconfundível de caracterização nacional. Efetivamente, Martius, referindo-se às modinhas brasileiras que ouviu em nosso País, no começo do séc. XIX, diz que elas “conservam integralmente o sabor popular e denuncia de vez em quando o pathos verdadeiramente lírico de poetas quase sempre anônimos”. Outro ponto divergente entre modinhas portuguesas e brasileiras é o canto a duas vozes empregado com freqüência pelas primeiras e nunca pelas nossas. Nas velhas modinhas
impressas, quase sempre o poeta e o compositor
ficavam no anonimato. Mas sabemos que os poetas da Escola Mineira
tiveram
seus versos a miúdo empregados pelos compositores do tempo; até
hoje muitas liras da Marília de Dirceu ainda andam,
anônimas,
na boca dos cantadores de modinhas. Em Portugal o
mulato brasileiro
Domingos Caldas Barbosa foi o mais afamado dos modinheiros
setecentistas.
A música, embora, às vezes, composta por mestres de nomeada,
era despretensiosa e acessível aos de mais baixo coturno; tanto
que Rafael Coelho Machado, em seu Dicionário Musical,
publicado
em 1842, escreve, no artigo modinhas: “pequenas
composições
que andam em voga e que qualquer curioso pode compor”.
Até então a modinha havia sido indubitavelmente, um gênero tradicional, por mais de um século arraigado aos hábitos burgueses para o povo. Ao seu declínio como canção de bem corresponde a voga crescente que vai tendo nos círculos de seresteiros, cantadores boêmios das cidades. E corresponde, também, a uma nova transformação de sua fisionomia: o abandono dos ritmos ternários para adotar os quatro tempos do schottische, que como dança, se introduzira em bailes e pagodes, determinando um melodismo específico, muito doce, a que recorriam, por fim, não só os pioneiros de festa, como os chorões e cantadores de serenatas. A partir dessa época, pôde a modinha ser contada em nosso acervo folclórico. Mário de Andrade, em
seu excelente prefácio às
Modinhas
Imperiais, mostra-se surpreso com essa folclorização
da modinha. “Dar-se-á o caso absolutamente
raríssimo
– diz ele – duma forma erudita haver passado a popular? O contrário
é que sempre se dá. Formas e processos populares, em todas
as épocas, foram aproveitados pelos artistas eruditos, e transformados
de arte que se apreende em arte que se aprende”. A argúcia habitual
de Mário de Andrade não o enganou; embora com o raciocínio
entravado pelo conceito clássico de música popular, ele percebeu
o que Carlos Veja veio a estabelecer, mais tarde, como teoria, baseado
em seus estudos sobre o folclore argentino: que os fatos folclóricos
passam do superior ao inferior: que a música hoje popular já
foi, um dia, música das classes
A modinha nunca teve
estrutura formal fixa. Freqüentemente nas
mais antigas, em compasso binário, encontramos modinhas
antigas
sem essa diferenciação rítmica para concluir: modinhas
com introdução ou sem ela; modinhas a duas ou três
partes; modinhas terminando com o canto ou
confiando ao piano uma
frase final. O piano tonal também é variável. Há
modinhas
sem modulação: geralmente, porém, prevalecem a mudança
de tom e a mudança de modo. Mário de Andrade observou, mesmo,
casos curiosos em que, contrariando a praxe, modinhas há que se
iniciam no modo maior e terminam no homônimo. E assinalou, como
tendência
mais generalizada, no plano modulatório, a passagem para tom da
subdominante, o que é, aliás, um traço perfeitamente
característico da música brasileira.
Serenata: É o canto e música
instrumental executados ao sereno,
ao ar livre, diante da casa de quem dedica a homenagem. Tínhamos
as serenatas amorosas, canções e modinhas entoadas à
porta da namorada, como também as homenagens sociais, prestadas
por um grupo que desta forma significava admiração.
Quem ama para dar provas Todos os povos
históricos tiveram a serenata. Cantar à porta
do seu amor é direito consuetudinário e milenar.
Bancroft (Natives Races of the Pacifics States, I, 549), falando sobre a remotíssima civilização dos Pueblos e Moquis norte-americanos, informa do costume ritual da serenata, com flauta, como processo normal de conquistar o noivado. Os romanos amavam a serenata e Horácio alude ao costumes nas Odes II, VII e, especialmente na VII, Ad Asterien. Os gregos chamavam Paraclausithyron esses cantos diante da porta. Por todo o séc. XIX parte essencial da produção poética destinavam-se às serenatas. Obrigatoriamente o único instrumento de sopro nas serenatas era a flauta. Os demais, de cordas, o indispensável violão, os cavaquinhos, às vezes o violino e depois o bandolim, solista, nos intervalos, melo-comentando a modinha. Ao redor da Maioridade, 1840 em diante, foi o domínio da serenata, e as modinhas e canções dedicadas ao canto ambulatório e noturno são em número infinito. Todas as cidades, vilas, povoações tiveram suas glórias e possivelmente seus sucessores atuais. Como um testemunho de sua vitalidade, na lua cheia de setembro de 1951, às duas horas da manhã, recebi em Natal, a homenagem de uma serenata, bandolim e violões veteranos, ressuscitando as velhas sonorosas de meio século. (Câmara Cascudo). |
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