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Dança de São Gonçalo
São Gonçalo, santo português, festejado a 10 de janeiro, dia em faleceu em 1259, em Amarante, no Douro, à margem direita do Tâmega. Eremita, deixou tradições populares vivas. Construiu um ponte de pedra. Tocava viola.
Converteu as mulheres, dançando com elas, alegremente, mas tendo nos sapatos pregos que o feriam nos pés.
Os romeiros portugueses que acodem a Amarante dão um nó nas giestas, e quem assim faz, logo casa.
Trazem seus devotos figuras de açúcar e mesmo pães, com formas fálicas.
Outrora dançavam dentro da igreja de Amarante. É padroeiro da meninas que querem casar, seja qual for a idade.
As festas de São Gonçalo se espalharam e eram famosas dentro da Sé do Porto, onde a chamavam de Festas das regateiras.
Considerado no Brasil, o padroeiro dos viloeiros.

A festa veio para o Brasil com os fiéis do santo do Amarante. Em janeiro de 1718, Le Gentil de la Barbinais assistiu, na capital da Bahia, a uma comemoração entusiástica a São Gonçalo. Compareceu o Vice-Rei Marquês de Angeja, tomando parte na dança furiosa dentro da igreja, com guitarras e gritaria de frades, mulheres, fidalgos, escravos, num saracoteio delirante. Num final, os bailarinos tomaram a imagem do santo, retirando-a do altar, e dançaram com ela, substituindo-se os devotos na santa emulação coreográfica.
São Gonçalo
São Gonçalo - Foto da AM730 - A Voz do São Francisco
Emissora Rural - Petrolina - PE
Logo depois, outro Vice-Rei, Vasco Fernandes César de Menezes, Conde de Sabugosa, proibiu a dança de São Gonçalo.
Nuno Marques Pereira (Compêndio Narrativo do Peregrino da América, II, 114) anotou que Sabugosa “estava governando a cidade da Bahia, por ver umas festas que se costumavam fazer pelas ruas públicas em dia de São Gonçalo, de homens brancos, mulheres e meninos, negros com violas, pandeiros e adufes, com vivas e revivas São Gonlaçalinho, trazendo o santo pelos ares, que mais pareciam abusos e superstições que louvores ao santo, as mandou proibir por um bando, ao som de caixas militares, com graves penas contra aqueles que se achassem em semelhantes festas tão desordenadas” (Antologia do Folclore Brasileiro, 49)

As danças de São Gonçalo continuaram por quase todo o Brasil. Em 1817 o francês Tollenare escrevia, no Recife: “Os rapazes e as raparigas dançaram durante toda a noite na igreja de São Gonçalo, em Olinda; os cônegos proibiram-no este ano e no anterior; porque os europeus o censuravam como uma indecência indigna do templo de Deus.” Tollenare protestou: “Conquanto estes pretensos moralistas d’além-mar tenham esquecido que Davi dançava diante da arca, que a dança fez por muito tempo parte das cerimônias religiosas, que os padres do Concílio de Trento o abriram com um minueto; conquanto a dança não seja verdadeiramente profana senão pelo espírito que a anima, dão direi sejam restabelecidos os bailes de São Gonçalo; mas quisera fossem substituídos por outra coisa qualquer.”

A popularidade de São Gonçalo se comprova na toponímia. Em 1940 havia município de São Gonçalo no Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Piauí mudara o seu para o Amarante, equivalente. Povoações e lugarejos são incontáveis.

As danças teimam em não desaparecer. Resistem em São Paulo e ninguém as pôde vencer no Nordeste. Não aparecem nas vilas e nas cidades, mas dominam as fazendas, nos povoados, onde seus devotos pagam promessas, dançando e cantando as jornadas tradicionais. A Dança de São Gonçalo é talvez a derradeira dança como ação religiosa, oferenda litúrgica, que possuímos.

No tempo da escravidão nenhum senhor tinha a coragem de recusar licença a um escravo que dissesse dever uma promessa a São Gonçalo e desejar ir assistir a uma dança votiva ou nela tomar parte.

As promessas não são feitas apenas pelas moças casadouras com os noivos distantes, arredios ou problemáticos. Prometem fazer a dança pessoas doentes, especialmente do estômago e ventre. Além de promover o bailado, o devoto promete comer uma certa parte do animal abatido para a festa (Guarulhos, S. Paulo) e dançar com a imagem é típica e tradicional.

O instrumental se compõe de viola e tambor. Só se dança por promessa. Jamais por distração ou curiosidade. É dança sagrada. Quem pode pagar a promessa sozinha, manda buscar o pessoal de São Gonçalo, aqueles que sabem cantar e dançar, e contrata a festa, distribuindo agrados. O devoto pobre, incapaz de financiar a festa, aproveita a ocasião para comparecer e conseguir, contribuindo ou gratuitamente, uma jornada, em pagamento espiritual da graça recebida. Escolhe-se o sábado, preferencialmente durante o dia, terminando na boca da noite. É raro a dança ser à noite.

A disposição é simples. Dançam doze pessoas em fila singelas de seis em cada. Um homem, com guitarra outrora, hoje viola ou rabeca, fica na frente, diante do altarzinho onde há uma imagem de São Gonçalo, monge, modesto. Esse violeiro é o guia. Atrás se põe uma mulher, a contraguia. Seguem-se mulheres. O mesmo no outro cordão paralelo. Somente os músicos, quatro são homens. O canto é uníssono e com a mesma música, é acompanhado com um movimento de bolandas, para direita e esquerda, e depois da jornada desfilam ante o altar, uma fila para cada lado.
Dança de São Gonçalo em Mato Grosso
Dança de São Gonçalo - Comunidade Domingas Leonor da Silva, Cuibá, MT

Chama-se jornada a série de versos cantados sem interrupção, o ato. É divisão clássica do século XVI, quando as comédias e mesmo loas sacras tomaram a jornada como divisão, em vez de atos; ainda vemos as jornadas dividirem os pastoris, e antigamente as lapinhas, legítimos Ludus Paschalis.
A dança de São Gonçalo consta de doze jornadas. Não se ultrapassa esse número, nem mesmo quando pedem jornadas por promessa. Os versos são quadras decoradas e algumas improvisadas, alusivas ao culto. As chistosas (piadas, gracejos) são raras mas aparecem.

Há uma atitude especial das dançarinas e dançarinos, obrigatória: mão esquerda sobre o coração, o braço direito curvo, em forma de ângulo agudo, ficando a mão semi-aberta, numa atitude de quem pede esmola, de quem suplica. Dizem que São Gonçalo dançava assim. As duas jornadas não se cruzam senão na jornada do Trancelim, quando atravessam e recruzam um ao outro.


O padre Lopes Gama, pelo Carapuceiro, indignava-se com a estranha liturgia dos são-gonçalistas. Dizia-se a devoção da patuscada. A bandeira onde o santo estava pintado e a imagem deste andavam “num rodopio, ora nas mãos, ora na cabeça desta e daquela.” “Na tal dança elas saracoteiam as ancas, remexem-se, saltam, pulam, e fazem cousas de cabeça, tudo para maior honra de Deus e louvor de São Gonçalo.”
Lopes Gama salvou estes dois versinhos, entoados pelas devotas:

Viva e revia
São Gonçalinho,
Dai-me meu santo,
Um bom maridinho!

Seja bonitinho
E queira-me bem;
Aquilo que é nosso
Não dê a ninguém!...”

E em 1843 escrevia, ouvindo os ranchos cantarem nas ruas de Olinda e Recife:
“São Gonçalo de Amarante.
Casamenteiro da velhas,
Por que não casais as moças,
Que mal vos fizeram elas?

Ai lê lê, ai lê lê
Meu santinho;
Viva e reviva
São Gonçalinho!

Três informantes, os Drs. Joaquim Inácio de Carvalho, Aldo Fernandes e Gil
Soares, citam duas quadras que parecem popularíssima na região do Estado
(Rio Grande do Norte), onde a dança viveu e vive:
Ou notas enviadas por Gil Soares, tomadas ao velho João Pedro, um dos mais antigos guias da região:
São Gonçalo de Amarante,
Casamenteiro das moças,
Casai-me a mim primeiro
Para então casar as outras

São Gonçalo de Amarante
Feito de pau de alfavaca;
Quem não tem rede nem cama
Dorme no couro da vaca.

São Gonçalo de Amarante
É feito de pau de pinho;
Tem mais força no pescoço
Do que porco no focinho

São Gonçalo de Amarante
Mora na beira do poço;
Pois São Gonçalo me diga
Se traíra tem pescoço...’

Desrespeitosas, mas bem intencionadas, as quadras verdadeiras começam e terminam assim:

Chega, chega, companheira,
Que já estamos empareada;
Pedindo licença ao Santo
Para a primeira jornada.
Esta vai por despedida;
Esta basta por agora;
Demos viva a São Gonçalo,
Louvores a Nossa Senhora!

No Terço de São Gonçalo, todos cantam parados. Não há dança. As quadras cantadas são sempre laudatórias.

Em Guarulhos a turma é masculina. Padre-nosso, Ave-Maria, cantam os violeiros as quadras, repetindo cada verso, repetidos pelos contrato e tipi. E flexionam os joelhos, lentos, até tocar o chão. Os folgazões, sinônimo de devotos, batem os pés, acompanhando o canto. Terminando a primeira quadra, os violeiros iniciam as rondas, evoluções, volteios coreográficos, seguidos pela fila respectiva. Cada personagem, violeiro, contralto, tiple, folgazão, tem sua forma de ir até o altar e reverenciar o santo, desenhos simples mas de efeitos sugestivos. Findas as evoluções, indo e vindo, é a hora do caruru, oferecimento das promessas:

São Gonçalo disse missa
No altar de São João;
Senhor dono das promessas
Está chegando a sua hora:
- Tire o santo do altar!

Os dançarinos fazem um círculo e os devotos que têm promessas a cumprir ficam dentro, formando outro círculo menor. “A mulher que prometeu dançar com o santo retira-o do altar, anda a roda inteira, cobrindo parte do corpo do santo com um pano branco. Outras pessoas andam com velas acessas. Batem os pés só os dançarinos da roda externa. Os da interna andam a passos miúdos e muito concentrados.” Fecham as janelas todas. Amanhece. As velas iluminam. São os cantos finais:

“São Gonçalo está contente
De se ver nas suas mãos.

Os devotos abandonam a roda interna. O ciclo externo, de dançarinos, faz as voltas prometidas. É a hora do lenço. A despedida:

Vamos dar a despedida
Em louvor de São Lourenço:
Minhas senhoras e senhores
Todos puxem os seus lenços...

Em louvor de São Lourenço
Todos guardam os seus lenços”.

Os folgazões agitam os lenços, despedindo-se. Rezam o padre-nosso. Acabou.

E outros registros em diversas regiões... (ver Dança de São Gonçalo em Mato Grosso, em Alagoas e em Minas Gerais).


Conexão relaciona: http://am730.com.br/uma-festa-com-muita-devocao/
Fonte : Dicionário do Folclore Brasileiro - Câmara Cascudo, Rio de Janeiro: Ediouro Publicações S.A. sem data



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