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Maracatu do Baque Solto (Maracatu Rural)
Cortadores de cana
Cortadores de Cana - Foto de Pedro Ribeiro

São mais de uma centena de Maracatus na Zona da Mata, das cidades plantadas no meio dos canaviais, ao norte da região pernambucana: Carpina, Nazaré da Mata, Aliança, Igaraçu, Vicência, Trucunhaém, Pau d'Alho, Araçoiba, Glória de Goitá, Lagoa de Itaenga, Feira Nova, Lagoa do Carro, Buenos Aires, Chá de Alegria, Goiania, Itaquitinga, Condado, etc. Algumas destas cidades são um pouco mais que povoados ou arraiais.

Toda a família está voltada para a cultura da cana: plantio, limpa, queima, corte, medido por rua, braça e tonelada. Na entre-safra, os trabalhadores tentam se virar no que arranjar, fazendo bico ou trabalhando nas usinas. Em fevereiro, essa gente das terras da cana espera ansiosa pelo Carnaval. Só então a cidade, transfigurada, voltará para eles de novo a brilhar. É o tempo do Maracatu.

Os brincante do Maracatu são essa gente da cana ou de emprego humilde no pequeno comércio das vilas e povoados. Alguns trabalhadores empatam tudo o que ganham no Maracatu. Quando seu Zé Duarte adoeceu, um primo tomou a frente do Leão das Cordilheiras, e seu Zé precisou vender as cinco mulas de trabalho que tinha, para comprar de volta o estandarte.
Se torna dono de Maracatu quem tiver o estandarte e a calunga (boneca-fetiche) que, negra ou galega, está no centro da roda em torno da qual se agrupam os brincantes.

O Dono de Maracatu, quase sempre, é quem arca com as despesas da confecção da roupas: bordadas, com lantejoulas, vidrilhos e miçangas, pois muitos não podem pagar por elas. E, também, paga para as pessoas que saem com elas. Todos recebem.
Lanceiro
Lanceiro com a gola e a guiada- Foto de Pedro Ribeiro
gola bem feita é aquela que nunca aparece o fundo

Os personagens são: lanceiros e tuxaus; baianas e porta-estandarte; rei e rainha; os caboclos, de lança ou de pena e as damas de buquê, do paço e as da calunga.
O próprio ato de vestir-se é quase um rito, executado às vezes no meio da rua.

Para os lanceiros, primeiro é amarrado o surrão às costas, armação de madeira e pelego tingido, e em cima é jogado a gola, capa bordada com misteriosos desenhos - “gola bem feita é aquela que nunca aparece o fundo” - sendo inteira recoberta com a profusão dos vidrilhos coloridos, miçangas e canotilhos. Mais curto atrás, o surrão deixará entrever os pesados cincerros que pendem da armação e as meias coloridas que não podem faltar no traje. Nas mãos, a imensa lança coberta de fitas, listadas ou em xadrês, que chamam guiada. Na cabeça, o lenço obrigatório e sobre ele o chapéu de palha, no qual se monta o cone de cartolina e a enorme cabeleira, que antes eram tiras de celofane e hoje, quase em toda a parte, foi substituídas por ráfia, qual juba de leão, que tantos Maracatus trazem o nome – Leão das Cordilheiras, Formoso, Mimoso, Coroado, Devorador da Floresta.

Para os tuxaus, a gola menor, bordada ou de pena, a tanga, vestida sobre calçolões de babados, e o cocar (coroa vertival) altíssimo, de plumas de ema e de pavão. Cingidas na base com a bela tiara bordada, às vezes adornada de espelhos e os óculos escuros. O cravo branco que esses guerreiros costumavam trazer entre os dentes é quase raro encontrar hoje em dia.

As baianas se vestem de cetim barato, saias rodadas coloridas, com seus babados e algum bordado, às vezes um chapéu florido, que também distingue as damas de buquê, do paço e as da calunga: nas mãos, aquelas levam flores e os troféus do seu Maracatu, enquanto as últimas se agrupam em torno da boneca-fetiche (calunga). Por tradição, a calunga sai sempre calçada, vestida como as baianas de sua guarda, às vezes com óculos escuros, os mesmos dos caboclos.

A Rainha, quase só uma baiana de coroa, sem os ornamentos mais ricos como as dos Maracatus de Nação de Olinda e Recife, mas muitas vezes protegidas pelo mesmo grande parassol colorido, arremedo do pálio sob o qual deve caminhar a realeza, na cidade como nos vilarejos da cana.

O Rei, nem sempre é encontrado em todos os Maracatus. Já o porta-estandarte, como as baianas, é figura obrigatória, carregando os imensos emblemas tão ricamente bordados quanto as golas dos lanceiros, e nos quais os Maracatus inscrevem seu nome, às vezes a data da fundação.

Todos vestem roupas ricamente enfeitadas, como convém à nobreza, sem ostentar no entanto o traje típico de corte européia que marca as figuras dos Maracatus de Nação.
Participam também as crianças que, com sua indumentária, redobram em miniatura a caracterização dos brincantes, como pequenos futuros grandes lanceiros, tuxaus ou tocadores de orquestra.

A orquestra ou trio, como é chamada independente do número de músicos que a integram e que acompanhará o cortejo, quando sair o Maracatu. Muitas vezes os instrumentistas tem como enfeite só o chapéu de vinil ou a mesma camisa colorida, envergada também pelo tirador de loa que puxa as cantigas do grupo. Por fim, às vezes encarregadas de levar na ponta de uma vara o lampião figurado, que em outros tempos deveria iluminar as evoluções noturnas do cortejo.

Os instrumentos: tarol, porca – uma grossa cuíca – e gonguê, que é um agogô. Em geral só um instrumento de sopro – a clarinete, trompete ou, principalmente o trombone, que até incorporou à designação do folguedo, distinguindo os Maracatus de trombone, ou de orquestra, dos de caixa. Raras vezes o pífano, chamado pife, está presente. O surdo faz a marcação, no toque de baque solto do Maracatu dito rural.

Os preparativos começam bem antes do carnaval: é preciso repassar os trajes, consertar uns, mandar fazer outros, bordar novas e custosas golas, às vezes por três meses a fio. O movimento crescerá mesmo é na semana da folia: reunir os brincantes dispersos pelo mundo da cana, muitas vezes vindos de vilarejos vizinhos para sair no Maracatu. Sairão domingo à tarde, num magote de mais de 100 pessoas, transformando cachaça, limão, ervas, cascas de árvore e pólvora em azougue, farão dele o ingrediente essencial para manter acesa a energia inebriante dos dias de folia.

O trajeto é longo, até Nazaré da Mata ou Carpina, para onde todos demandam, e agora até mesmo para a Ilumiara Zumbi, na Cidade Tabajara em Olinda. Rumando para as grandes cidades do mundo da cana ou para a capital, deixando para trás o caminhão, seguem de ônibus – o mesmo que leva à usina, agora no rumo oposto – ou mesmo a pé, atravessando o canavial quase sempre às portas da cidade. É preciso apressar-se, aproveitando a folgança até terça-feira. É tempo de festa.

A festa

O tirador de loa começa a cantar, improvisando, sobre o estoque comum de imagens e matrizes do repente, versos de circunstância e a louvação das pessoas de prol. Melodia sinuosa dos cantadores de desafio, a loa incensará quase sempre os políticos presentes, mas também, às vezes, na ironia orgulhosa das cantigas de escárnio e maldizer de outras eras, retornará ao tom provocador que denigre os adversários, para melhor louvar o cantador. E os versos se repetem, no contracanto de um parceiro ou algumas baianas, estas no tom alto e choroso das cantigas que são rezas.

Os lanceiros, até então andando de um lado para outro, passos duros, fazendo soar os cincerros do surrão, imediatamente se curvam em reverência, quando tirador de loa inicia o canto. Às vezes se dispõem em duas filas, um em frente ao outro, joelho em terra, ou deitados quase sobre o cotovelo, meio de lado, a grande lança enfeitada estendida no chão. Mas, tirada a loa, o trio ataca, quase frenético, e então todo o grupo se move, na dança que até parece alucinada.

Inesperados, levantaram-se os lanceiros, golas chamejantes de vidrilhos e lantejoulas. Esses caboclos, que num grupo chegam a trinta, quarenta, ou mais, são bravos. Avançam, ameaçadores, brandindo a lança, e rodopiam, fazendo girar as fitas coloridas. Às vezes se enfrentam, batendo as lanças, gestos rápidos e violentos, em simulada batalha. E evoluem em círculos, rápidos, girando em torno do grupo.

Dentro da roda, os caboclos de pena são em número bem menor – dois é o comum – e às vezes puxam a dança das baianas, fazendo evoluir, em filas que se cruzam ou em caracol, as damas do buquê, do paço e as da calunga.

Como o resto da caboclaria, tuxaus tem fama de catimbozeiros, que, quando dançam, não se sabe se é o azougue ou o transe que lhes infunde tanta energia. Também neles os indefectíveis óculos escuros, lembrança, talvez, de um tempo em que, com significado ritual, a dança exigisse a máscara, pois às vezes os lanceiros exibem o rosto vermelho, tingido com urucum.

Dançam e saltam, todos – o tênis é calçado quase obrigatório entre esses guerreiros.

Então o tirador de loa de novo canta, e tudo recomeça. Só depois de muitas voltas de loas e danças é que o cortejo se organiza: lanceiros à frente, em grupo cerrado, depois os tuxaus. Logo o tirador de loa, porta-estandarte, rei e rainha sob o pálio, escoltados pelas crianças com lampiões, depois, em círculo, as baianas, tendo ao centro a calunga, logo as outras crianças, por fim a orquestra, e , fechando o cortejo, outros tantos guerreiros.

A disposição não é aleatória. Um brincante que conhece seu ofício se irrita, quando as crianças evoluem em meio aos lanceiros:
Maracatu é caminho sem vida, gente sai, nunca sabe se volta desmantelado. Lugar de criança é no meio e no pé da bandeira, o resto tem de ser tudo adulto. Se sai, topa com outra nação, dá encrenca. Se na frente está uma criança, não vai respeitar, vai ver é outro caboclo. Por isso já tem as funções: mestre-caboclo, boca-de-trincheira, pé-de-bandeira, dois guias, dois contra-guias. Oito homens na frente, oito atrás. Só ou outros é que dançam. E criança fica no meio. São uns cento e trinta homens de vara, vem outra, dá encrenca, sai faca, sai bala. Isso é caminho sem vida”.


Cincerros
Mais curto atrás, o surrão deixará entrever os pesados cincerros
que pendem da armação...
Foto de Pedro Ribeiro
Tuxau
Tuxau... com cocar altíssimo... -  Foto de Pedro Ribeiro
Calunga
Calunga -  Foto de Pedro Ribeiro
Festa
Tempo de Festa - Foto de Pedro Ribeiro

Embora o confronto seja mais simbólico que real, a fala reflete um misterioso imaginário de outras batalhas, na origem, talvez, dos Maracatus.

Assim passam o dia brincando seu carnaval, apresentando-se aqui e ali, movidos a paixão e azougue, comendo onde podem e, ao cair da noite, muitas vezes dormindo ao relento. Mas em geral também se deslocam de uma cidade a outra, em demanda de centros maiores, Carpina ou Nazaré da Mata ainda há pouco, e sobretudo o cobiçado espaço de Olinda, Ilumiara Zumbi, Meca para a qual todos os Maracatus se voltam, sonhando reunir-se ali, na terça-feira gorda.

Vindos de Olinda ou das cidades da região, terminada a folgança, na noite que cai, ao dono do brinquedo resta recolher ser estandarte, às baianas, devolver a calunga, à orquestra, repor no lugar os instrumentos, ao tuxau, guardar o deslumbrante cocar, e ao lanceiro, com sua esplendorosa gola, a juba leonina, a portentosa guiada, resta retormar a estrada, de volta à periferia ou ao arraial distante, a caminho de casa. Amanhã, o mar verde da cana e a doce-amara tarefa da produção do açúcar o esperam. Mais uma vez, é tempo de trabalho.


(Extraído do texto de Maria Lucia Montes)

Alguns Maracatus do Baque Solto podem ser vistos no youtube, exemplo:

Maracatu rural enche de cores Nazaré da Mata

Fonte : Maracatu do Baque Solto / texto de Maria Lucia Montes; fotografias de Pedro Ribeiro – São Paulo: Quatro Imagens, 1998
Sistema de Incentivo à Cultura do Estado de Pernambuco


Carnaval

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