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A
mulher gentia temos que considerá-la
não só a base física da família
brasileira, aquela em que se apoiou, robustecendo-se e
multiplicando-se, a energia de reduzido número de povoadores
europeus, mas valioso elemento de cultura, pelo menos material na
formação brasileira.
Zacarias Wagner observaria no século XVII que entre as filhas de caboclas iam buscar esposas legítimas muitos portugueses, mesmo dos mais ricos, e até “alguns neerlandeses, abrasados de paixão”. Já não seria então, como no primeiro século, essa união de europeus com mulheres indígenas, ou filhas de indígenas, por escassez de mulher branca ou brancarana (mulata clara), mas por decidida preferência sexual. Capistrano de abreu sugere que a preferência da mulher gentia pelo europeu teria sido por motivo mais social que sexual: “da parte das indígenas a mestiçagem se explica pela ambição de terem filhos pertencentes à raça superior, pois segundo as idéias entre eles correntes só valia o parentesco pelo lado paterno”. Histórias
de casamento, de
namoros, ou outras. Menos românticas, mas igualmente sedutoras,
eram as mucamas que contavam às sinhazinhas nos doces vagares
dos dias de calor, a menina sentada à mourisca, na esteira de
pipiri, cosendo ou fazendo renda; ou então deitada na rede, os
cabelos soltos, a negra catando-lhe piolho, dando-lhe cafuné;
ou enxotando-lhe as moscas do rosto com um abano. Suprira-se assim
para uma aristocracia quase analfabeta a falta de leitura. Modinhas e
canções, era ainda com as mucamas que as meninas
aprendiam a cantar – essas modinhas coloniais tão
impregnadas do erotismo das casas-grandes e das senzalas; do erotismo
dos ioiôs nos derreios pelas mulatinhas de cangote cheiroso ou
pelas priminhas brancas; voluptuosas modinhas de que Elói
Pontes recolheu uma tão expressiva do amor entre brancos e
mulatas: “Meu
branquinho feiticeiro, Pois
tu chamas de irmãzinha Em
nenhuma das modinhas antigas se
sente melhor o visgo de promiscuidade nas relações de
sinhôs-moços das casas-grandes com mulatinhas das
senzalas. Relações com alguma coisa de incestuoso no
erotismo às vezes doentio, É mesmo possível que,
em alguns casos, se amassem o filho branco e a filha mulata do mesmo
pai. As festas de casamento: O casamento era dos fatos mais espaventosos em nossa vida patriarcal. Festa de durar seis, sete dias, simulando-se às vezes a captura da noiva pelo noivo. Preparava-se com esmero a “cama dos noivos” - fronhas, colchas, lençõis, tudo bordado a caprincho, em geral por mãos de freiras; e exposto no dia do casamento aos olhos dos convidados. Matavam-se bois, porcos, perus. Faziam-se bolos, doces, pudins de todas as qualidades. Os convivas eram em tal número que nos engenhos era preciso levantar barracões para acomodá-los. Danças européias na casa-grande. Samba africano no terreiro. Negros alforriados em sinal de regozijo. Outros dados à noiva de presente ou de dote: “tantos pretos”, “tantos muleques”, uma “cabrinha”.
Casamento consanguíneo:
Os
casamentos, tão frequentes no
Brasil desde o primeiro século da colonização,
de tio com sobrinha; de primo com prima, era evidentemente impedir a
dispersão dos bens e conservar a limpeza do sangue de origem
nobre ou ilustre. Tudo indica ter sido este o intuito de Jerônimo
de Albuquerque, o patriarca da família pernambucana, ao casar
seus dois primeiros filhos varões, havidos de dona Maria do
Espírito Santo Arcoverde – a princesinha índia –
com duas irmãs de sua mulher legítima, dona Filipa de
Melo, filha de dom Cristóvão de Melo. A mulher que lhe
recomendara para esposa a rainha dona Catarina, horrorizada com a
vida mulçumana de polígamo do cunhado de Duarte Coelho.
Não foram uniões consanguíneas: mas de
indivíduos que, casando-se, apertavam os laços de
solidariedade de família em torno do pattriarca. Era esse o
fim dos casamentos de tios com sobrinhas. Casamento precoce para a mulher: Do
padre Anchieta, que foi, como todo
jesuíta no século XVI, um grande casamenteiro,
aproximou-se um certo Álvaro Neto com uma filha nesta
tristíssima situação: quinze anos e ainda
solteira. “Fazia-lhe grandes queixas Álvaro Neto, morador da
vila de São Paulo”, diz-nos o padre Simão de
Vasconcelos na sua Vida do venerável padre Ioseph de
Anchieta da Companhia de Iesus, “que tinha huma filha já
de quinze anos & nam tinha remedio para casalla”. Outra moça
aparece na crônica jesuítica na mesma situação
da filha de Álvaro Neto: Filipa da Mata. Esta fora noiva de
Joseph Adorno: mas teria talvez quinze anos a desgraçada
Filipa, já solteirona dolorosa: num instante consolou-a e aos
seus pais o grande missionário. Não só
profetizou-lhe casamento para muito breve com um rapaz de Lisboa como
uma vida ideal depois de casada: “tantos filhos que nam saberá
quaes sam as camisas de uns & outros”. Nossos avós e bisavós patriarcais, quase sempre grandes procriadores, às vezes terríveis sátiros de patuá de Nossa Senhora sobre o peito cabeludo, machos insaciáveis colhendo casamento com meninas todo um estranho sabor sensual, raramente tiveram a felicidade de se fazerem acompanhar da mesma esposa até a velhice. Eram elas que, apesar de mais moças, iam morrendo; e eles casando com irmãs mais novas ou primas da primeira mulher. Quase uns barbas-azuis. São numerosos os casos de antigos senhores de engenho, capitães-mores, barões e viscondes do tempo do Império, casados três, quatro vezes; e pais de numerosa prole. Fatos que são indicados quase como glórias nos seus testamentos e os vários matrimônios, nos túmulos e catacumbas dos velhos cemitérios e das capelas do engenho. Pois essa multiplicação de gente se fazia à custa do sacrifício das mulheres, verdadeiras mártires em que o esforço de gerar, consumindo primeiro a mocidade, logo consumia a vida. O
provocante verdor de meninas-moças
eram apreciado pelos maridos de trinta, quarenta, às vezes de
cinquenta, sessenta e até setenta. No meado do século
XIX ainda eram comuns os casamentos de velhos de setenta com mocinhas
de quinze anos.
Ainda hoje, nas velhas zonas rurais, o folclore guarda reminiscência dos casamentos precoces para a mulher; e a idéia de que a virgindade só tem gosto quando colhida verde.
Casamento
Coletivo: Graças
ao Livro
de razão
do senhor Antonio Pinheiro Pinto, proprietário da fazenda
Brejo do Campo Seco, na Bahia, sabemos que eram comuns as festas para
casamentos e batizados coletivos de escravos. A tradição
recomendava que se chamasse o sacerdote à fazenda ou engenho e
que num só dia se realizassem simultaneamente ambas as
cerimônias, às quais seguia-se uma “função”:
festa com farta distribuição de rapadura e aguardente
aos escravos, que se entregavam aos alegres batuques, atabaques e
repeniques de viola. A festa de casamento devia ser importante para
os escravos, pois no mesmo engenho a escrava Aninha Cabra contraiu
uma dívida com seu senhor de 8$640 réis, quantia
despendida com o casamento de sua filha.
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